sexta-feira, 27 de março de 2009

Modernização


O buteco onde bebia
todo dia
Foi vendido
Pr'uma farmácia.

Continua pedindo
todo dia
Sua dose
Encostado ao balcão.

segunda-feira, 23 de março de 2009

O estrangeiro


Tornado andarilho, esperava reencontrar a Cidade que não via pela janela do carro, enquadrada, conforme uma voz que lhe soava, assim, meio pop. Pois sempre não lhe parecera fascinante a vida que brotava por entre as fachadas desta judiada? A Velha Senhora, recém-desnudada, até parecia querer colaborar. Curiosamente, não era de tantos pudores, como seria de se esperar; um certo constrangimento, que a sua beleza não era senão daquelas que, pra se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê. É um pouco mais.

Descendo a antiga rua de sua mocidade, pensava no velho Einstein – e só agora, verdadeiramente, o compreendia: o surpreendente não é que conheçamos o mundo, mas que nos seja dado conhecê-lo! Se um dia lhe tivera sido dado conhecer a Cidade onde nasceu e viveu, no sentido plenamente confessional, certamente mais não mais o era.... Onde, meu Deus, a velha galeria? Procurou, em vão, afastar o que julgou uma obsessão de seus cabelos recém-grisalhos. Mas não era possível; dessa vez não se tratava da especulação fastidiosa de hábito. O alheamento realmente o assaltava, como despojamento, como espoliação de suas próprias lembranças. “Não pode ser aqui, devo-me estar confundindo...” O desvelamento que súbito o fazia estrangeiro na rua onde crescera sequer chegava a soar violento, posto que insidioso. E, nisso, acima de tudo, por demais cruel: tudo estava lá, mas não estava! Exílio que se faz no tempo, o que realmente o estarrecia era a constatação da impossibilidade do retorno.

Não só os lugares não estavam mais: assim também as pessoas. Não algumas, determinadas: as pessoas. Não havia propósito com que pudesse atinar. A Cidade não crescera, mudara-se sem deixar endereço, como aquelas tantas inundadas de pretensão e descaso. Mas o que aqui se poderia represar, senão o ressentimento? Vagou a procura de nenhures. Um estranho silêncio, uma calma perturbadora. Onde estariam os que ali não estavam? Preparando o levante? O que se tramava à espreita, de uma forma tão descaradamente dissimulada? Onde teria estado, enquanto eles vieram e tudo levaram? Mas se caminhara por todos esses anos e não se poupara, a vigiar, até, quando diabos foi que tudo se acabou?

E acima de todas as dores, a única verdadeiramente indizível: a de nunca poder saber, de verdade, se não teria sido ele quem acabara.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Declaração de amor politicamente incorreta

Aldir Blanc


O sujeito olha pra espuma da cerveja mas não vê nada. Não está no buteco, nem em nenhum outro lugar. É uma voz, girando no espaço-tempo, em busca não do que foi perdido, mas dos melhores momentos de sua vida:

- Eu estava sentado na sala, no mesmo lugar de sempre, com o velho copo, tomando a bebida que prefiro há anos e anos, quando ela entra, serena, como se estivesse flutuando. Nós nos conhecemos tanto que eu percebo que a quietude é excessiva, que o sorriso paira no rosto como uma sombra, que a intensidade dos olhos é dolorosa e não tem nada que ver com receitas, presentes, gracinhas dos netos. Meu primeiro pensamento demonstra que eu não presto, nunca prestei: ela conheceu algum palhaço que... Mas os gestos angustiados, os gestos de náufrago, provocam uma sensação estranha em mim, como se escutasse a sirene dos bombeiros chegando cada vez mais perto da casa onde moro. Tentando esconder o nervosismo, finjo uma rispidez que não sinto:

- Qualé, viu passarinho verde?

E ela, quanta calma, murmura com suavidade infinita: não é nada. Fui ao médico. Fiz uma ultra-sonografia e ele pediu outros exames... Minha poltrona cai num alçapão e ela já não está na minha frente, de cabelos curtos, ela está de botas, no apartamento de um amigo meu, pedi a chave emprestada, e os cabelos são uma cascata castanho-ouro. Meio bêbado e complemente apaixonado, tento escapar do fascínio com frases de detetive particular americano: não confie em pilantra metido a intelectual. Ele engana que lê Joyce mas acaba dando com o Ulisses na tua testa. Ela ri. Invento uma senha pra afastar vagabundo. É só um cara encostar com muito lero-lero, você olha duro e avisa: isso aqui tá cheio de Pirata Malaio. Sinal de que ela deve cortar o lance rapidinho ou o pau vai comer. Um dia, cheio de conhaque e de amor pra dar, o nariz sangra em pleno ato sexual. Ela se assusta. Metido a machão, pinto uma tira vermelha com sangue, de face a face, passando pelo nariz e canto marra: sou descendente de apaches. Tantos encontros inesquecíveis: no Ebony, no Lamas, todo o roteiro de bares e motéis percorrido. Versões de Tenderly, de I'll Never Be the Same, de Moonlight Serenade, versos, cartas, minha cara, os sapatos também pisam nos meus, e a cueca, no vasculhante do banheiro, seca sobre a calcinha, como um símbolo, em feitio safado de oração, nem por isso menos profunda. Com o tempo, há mortes compartilhadas, horas de dor, mas, acima de tudo, riso, riso, riso, apesar dos dentes e cabelos caindo em mim, da barriga despontando, ela cada vez mais bonita, os dois de óculos para miopia e astigmatismo quase ao mesmo tempo, se olhando e rindo como Tico e Teco, palpitações, taquicardias, acessos de tosse, varizes, pressão alta, mas, nas horas difíceis, ela encosta a cabeça e só dorme nesse peito aqui, ó, nem lexotan faz o mesmo efeito. Eu sou o macho da relação, certo?, tudo bem?, é por isso que estou prendendo o choro, eu preciso ser forte e dizer aquelas frases: isso é pura rotina, não significa nada, vapt-vupt. Adulto da boca pra fora. Porque a tal da voz interior parece a de um rapazola espinhento que perpetra sonetos melosos, que se masturba por ela, que ainda sonha com situações como a da valsa: e tu não flertaste ninguém, olhavas só para mim... Por aí. Lamartine, meu velho, eu babo. E enquanto John Waine da Zona Norte escande as sílabas, eu mesmo cansei de pedir esses exames, ro-ti-na, o pierrô apaixonado acaba chorando e, como nas histórias de folhetim, fala em cisco no olho, puxa o lenço, engasga e então, convulsamente chora. Chora porque não há a menor chance da vida ter graça se ela sofrer, não é possível, Musa não sofre, ela é a linda suburbana da seresta, com lábios que são tâmaras maduras da flora do coração, ela pisa nos astros, distraída, pra ficar só no Orestes Barbosa, ou não vai caber tudo na edição de domingo do jornal. Ro-ti-na, Porque fora da rotina que construímos, meu amor, eu não durmo, não como, não abro a porta, não atendo o telefone, não ouço música, não consigo ler, não quero assunto, a bebida atravessa, o Vasco é um pé no saco, o mar é um deserto, o Rio parece Assunção do Paraguai e, pra ser sincero - espero que não me neguem o direito a esse singelo depoimento - não sei nem fazer cocô.

[para Stefânia, meu amor]

segunda-feira, 16 de março de 2009

Descamisados


Símbolo máximo da paixão clubística, muito mais que o hino ou a bandeira, ela encarna, metonímea perfeita, a entidade mítica e gigantesca do time de futebol: vestir a camisa; honrar a camisa; o jogador sentiu o peso da camisa; faltou camisa para aquele time. Manto sagrado, encerra em si, além das cores e distintivo de uma nação, a galeria de conquistas, recentes e remotas, nas formas de bravos escudos de guerra ou de constelação de estrelas fulgurantes.

Veja-se o apego quase infantil do torcedor à camisa de seu clube. Uns preferem os últimos modelos, perfilando uniformizados em redor de seus heróis, ou desafiando, terras afora, o infortúnio dos que não foram chamados a fazer parte da casta escolhida. Outros, os panos surrados, sudários purificados no sangue de muitas batalhas vividas, relíquias dos espíritos dos antigos guerreiros.

Não estranhe, amigo leitor. Sei que a linguagem está meio fora de moda. É que as expressões que hoje recheiam as colunas, artigos e reportagens de nossas sessões esportivas são bem diferentes: em vez de camisa, é mais fácil deparar “lay-out”; no lugar de espírito, “marketing”; para guerreiros, preferem “profissionais”; e vamos por aí.

Na era do futebol-negócio, a paixão e a reverência às tradições parecem ter de sucumbir à lógica do capital. Daí o descaso que vimos assistindo nos últimos anos dos times de futebol no Brasil com seus uniformes, muito especialmente após a admissão da estampa das marcas publicitárias nas camisas. Certa vez puseram um amarelo-gasolina na sagrada camisa verde do Palmeiras, que depois ficou verde-clara, ganhou listras, voltou para o verde-escuro, perdeu as listras... A do Corinthians, recentemente recebeu tintas vermelhas e amarelas, sem contar o remendo com que tiveram de se apresentar em plena final de brasileiro, em virtude de uma troca de patrocínio em cima da hora ( já falam, até, em dois patrocinadores na camisa ). Já a saga de derrotas do São Paulo no último Brasileirão foi, por muitos torcedores, atribuída a uma maldição verde salpicada na tradicionalíssima camisa tricolor.

O que falar dos calções, então? Uma ridícula determinação - ao que parece, da FIFA - tornou os últimos campeonatos verdadeiros desfiles de aberrações estilísticas. O Corinthians todo de branco, parecia o Santos. O Santos, de calção preto, parecia o Corinthians, tanto que lhe meteram listras, quadriculados e até estrelas!

Daí que desse insosso e tumultuado Rio - São Paulo 99, sobrou-me a gostosa sensação de ver de volta, intactas, as belíssimas camisas de Vasco, Fluminense e Botafogo, pelo menos. Mesmo sabido que nunca por qualquer consciência cultural, mas por absoluta falta de opção. O certo é que a aquela Estrela, livre das más companhias, desfilando garbosa sua solidão reconquistada, fez-me lembrar e sonhar com um tempo em que profissionais eram, simplesmente, Manés.


(março de 1999)


Originalmente publicado em 30 de março de 2005

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sport bretão


Escreve-me uma gentil senhora, para que eu discorra sobre a reforma ortográfica e a (não tão nova) onda de anglicismos que salpicaria de “bizarrices desnecessárias” a pureza de nossa última flor do Lácio. Incrementando a relação de damas que venho decepcionando ao longo da existência, sobre o primeiro tema, apenas uma palavra: ignorarei. Quanto ao outro, além de não vislumbrar nenhuma remota utilidade nos meus palpites, calarei em modesta homenagem à esplendorosa Sorriso-Maracanã, cultora inigualável do idioma de Shakespeare . De mais a mais, a coisa já chegou ao nível do esculacho. Dispensa comentários um sujeito que ouvi outro dia dizer, referindo-se à recente separação, “estar planejando um apigreide na sua vida sentimental”; ou o treinador de uma tradicional agremiação futebolística (ultimamente um tanto em baixa), justificando a duvidosa escalação de Fulano na zaga por “terem sido deletadas as outras opções disponíveis”...

Opiniões a parte, já que a semana rescende mesmo a futebol, eis aí um terreno onde o jargão britânico sempre soou não só natural, como até charmoso, evocador daquele tempo em que violão não era ligado na tomada e fábrica de suspensório dava lucro, como diria o saudoso Moraes Sarmento, a quem ando devendo uma homenagem. Minha paixão pelo futebol é em grande parte imputável ao meu velho e queridíssimo vô Dante, que dizia que o Palmeiras conseguira um bom scorer (com o esse chiado e o erre arranhado do Engenho de Dentro) fora de casa; corner (olha os erres aí de novo!), em vez de escanteio; que chamava goleiro de keaper e volante de center-half (soava “alf”, sem o aspirado e com a de “árvore”, na deliciosa pronúncia então vigente da Estação de São Cristóvão para cima). Isso tudo, claro, num jogo narrado pelo speaker!

Talvez seja mesmo o football (que no Rio se diz “futibol” e em São Paulo “futEbol”) a retina cansada do nossos olhos sentimentais, onde tudo é projetado ao inverso. As alhures esquisitas expressões da língua do cantor-jardineiro Elton John (que não é Shakespeare, diga-se) não provocam nos gramados o estranhamento e a irritação que assomam à rebeliana leitora. Ao contrário, soam naturais, familiares, como um dominus vobiscum em fim de missa, um pas de deux em pleno Quebra Nozes!

Paradoxalmente, portanto, na era do marketing e do delivery, quase ninguém mais diz nem “beque” (aportuguesamento que só perde em autoridade ao insuperável “serve-serve”, aquele restaurante sem garçom onde os candidatos a comensais enfrentam mais filas que em venda de ingressos para o setor 1 da Sapucaí...). “Beque” impunha respeito, era malvado; “zagueiro” parece posto da Cavalaria...

Só restou mesmo o insuperável “GOL”, devidamente grafado, a despeito de toda privatização. Até porque nem mesmo o mais tinhorano dos rebelos conseguiria explodir num grito de “TEEEEEEEEEEEEEEEEEENTO” do Palmeiras...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Curtas do dérbi


* Um jogo que, na prática, não valia nada. Palmeiras ganhando não seria mais líder do que é. Corinthians ganhando continuaria em segundo, pelo número de vitórias. O empate também não alterou nenhuma posição na tabela, visto que o São Paulo está três pontos atrás. E, afinal de contas, classificam quatro. Prova absoluta e cabal que a tal “prática” não vale nada no futebol. Valem a honra, a coragem, o sofrimento, o heroísmo, o drama, a tragédia, a superação, os simbolismos universalmente transcendentais.

* Parabéns às diretorias desses dois colossos do futebol brasileiro. Organização, senso de oportunidade, promoção, tudo na medida certa para alavancar a nossa combalida paixão nacional. Sobrou, em tudo o que eu disse aí em cima, o que faltou no futebolzinho mixo que os times jogaram em 90% do tempo da peleja. E é isso que importa! Viva a rivalidade! Abaixo as babaquices não-me-toques, abaixo a selvageria imbecilizante.

* Quem, definitivamente, não se conforma com as proporções que o clássico tomou é o São Paulo Futebol Clube (sem negrito, pelos próximos 70 anos). Não importa quantos títulos ganhem, a incontestável hegemonia, o crescimento numérico da torcida; não importa o poder econômico, a arrogância, as picuinhas: eles jamais saberão o que á o sabor de um Palmeiras x Corinthians, Corinthians x Palmeiras. Não sabem o que é uma rivalidade como esta, limitam-se a espiar de fora... E babar.

* Agora, pensando somente no quanto de futebol que se joga hoje no Brasil, digam lá, sem pensar, o que é mais deprimente: um time que toma um gol aos 47 minutos do segundo tempo de um jogador indiscutivelmente sem o menor resquício de condição física para a prática de qualquer esporte profissional, ou outro que precisa se valer do sacrifício (beirando a irresponsabilidade...) do mesmo jogador para fazer, de bola parada, o que todos os demais não fizeram em 92 minutos de jogo rolando?

* Ronaldo provou mais uma vez que é, definitivamente, um grande jogador de futebol. Aliás, é só o que ele é - e já é muitíssimo, num país de tantos monstros das quatro linhas. Justamente por essa grandeza de craque, não precisa que façam dele o que não é, nem maior que coisa alguma. Não é maior, por exemplo, que o grande Corinthians que ora paga o seu salário, nem que o imenso Palmeiras, que sobrevalorizou muitíssimo a dimensão de seu tento epilogal. Nem muito menos que Palmeiras x Corinthians, Corinthians x Palmeiras, um dos maiores clássicos do futebol mundial. Não foi Ronaldo que fez a grandeza do clássico, mas o clássico que proporcionou a grandeza do momento que o jogador pôde protagonizar. Mas isso, carísssimos, a minúscula rede globo e seus lacaios não vão entender (ou admitir) jamais.

* Como palmeirense, torço muito para que os efeitos ditos secundários da bem sucedida estréia precoce do Fenômeno protraiam-se o mais possível. A cortina de fumaça tende a fazer com que torcida, imprensa e diretoria aliviem a pressão sobre a comissão técnica pela bolinha que o time vem jogando. Bem como sobre atletas que, nitidamente, não têm condição de envergar a poderosa camisa alvi-negra.

* Questão matemática: enquanto o time do Palmeiras precisar de três zagueiros, dois volantes, e dois alas para tentar fazer (mal) o que uma dupla decente de beques deveria dar conta, sobrarão apenas três jogadores para armar, lançar e atacar. Será que isso explica alguma coisa?

quarta-feira, 4 de março de 2009

À guisa de satisfação


Esta página, a despeito de sua fatual insignificância, completou no último dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, cinco anos completos no ar. Alternando fases de alguma produção e considerável ostracismo, a verdade é que, aos trancos e barrancos, vai agregando conteúdo. Para quê, exatamente, não sei. Sei é que são poucos os diários cibernéticos, ditos blogues, a manterem-se ativos por um tão grande interstício. A publicação é mais antiga, por exemplo, que as infinitamente mais interessantes e produtivamente insuperáveis páginas de meus queridos Eduardo Goldenberg e Bruno Ribeiro. Durou bem mais que o blogue da madrinha Christiane Assis Pacheco, de quem herdamos a idéia, não o talento. Só perde em longevidade - e em todos quesitos imagináveis, diga-se - para o Pentimento, do incansável Marcelo Moutinho; mas que é escritor, muito diferentemente do autor destas mal traçadas.

Tudo isso para dizer aos nossos três leitores (já foram quatro, acreditem...) que, deixando de lado alguns pudores, e à falta de muita disposição de acrescer novas desimportâncias às tantas aqui juntadas, passaremos a republicar, vez por outra, como discretamente já vimos fazendo, alguns textos antigos. O principal motivo é a aparente saída do ar do antigo provedor weblogger, que abrigou os primeiros dois anos da revista. Muitos dos textos já se encontravam transportados, mas diversos aguardam paciência, tempo e disposição para o “restauro” (por algum motivo, os arquivos gravados como “espelhos” das páginas do antigo blogue eliminam todas as formatações e acentuação – auxílios técnicos são bem vindos...). Esse esforço, portanto, obriga-me a uma revisão do quanto publicado, bem como à necessária e já demasiadamente adiada tarefa de transportar os textos para cá, o que vai continuar sendo feito aos poucos. Os muito datados e demais que perderam, por qualquer motivo, o reduzidíssimo interesse que pudessem originalmente despertar, restarão para sempre sepultos na vastidão infinita do esquecimento.

Às versões republicadas acrescento um liame que não direciona diretamente para a o endereço original, mas para o conjunto das publicações daquele mês. Tudo para que vocês possam não ler outra vez toda a coleção de babozeiras aqui reunida.

Juntando em um só endereço os encaminhamentos que os portais de pesquisa apresentavam para as duas versões do Só dói, o departamento comercial entendeu possível incrementar os acessos chamados aleatórios e, com isso, sobrevalorizar a negociação de nosso espaço publicitário para todas as empresas nacionais e multinacionais interessadas, a exemplo do que recentemente aprendemos com a diretoria do Sport Club Corinthians Paulista.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Feliz ano (de) novo

Hoje começa o ano. Navegante de rio, apavora-me o mar aberto, total. Nenhuma margem, nenhuma praia. Só o mar pela frente, a completa indiferenciação.

Nada mais se pode adiar. Tomaram-nos o grande curinga, a panacéia para todas as coisas que não se queria ou podia encarar: “depois do carnaval a gente vê”, “depois do carnaval a gente senta”... De repente, não mais que de repente (embora a gente já soubesse...), sobra-nos na mão esse infalível mico-preto do dia-a-dia. Todo o turbilhão de aborrecimentos, sobretudo os mais banais – esses insuperáveis - , parece precipitar-se sem licença, como se até agora só estivessem pacientemente esperando o seu fatal anti-jubileu: todo o perdão desaparece, toda condenação é inapelável, todas as dívidas são exigíveis.

Hoje acordei na hora, o despertador nem chegou a tocar. Sem perceber, eis-me de sapato, pasta e blusão (nem estava frio) olhando no espelho pateticamente, como a tentar saber afinal o que aconteceu. Onde foi parar meu vestido de chita? Mas se há alguns instantes Ela me puxava pela mão no meio do largo... Cadê a baiana que agora mesmo ajudei a vestir? Vejo que sumiu de vez a tinta preta atrás das orelhas... A bandeirinha da Vila ainda tremula naquela janela e eu cheguei adiantado quinze minutos no serviço.

O Carnaval na sua euforia esfuziante carrega uma inegável dimensão de morte, de imolação, atualizada nos rituais de libação. O delírio do folião encerra um abandono, uma entrega da própria vida à sua causa-crença. A sofreguidão dessa vivência é a negação de nossa não-vida de filas, reuniões, contas para pagar, telefonemas a dar, imêious a responder.

Vamos, pois, adiante, singrando marços e abris, oh Braga, nessa inescapável certeza do que não somos, rumo a uma visãozinha de margem que não negará a trajetória. Não sou eu quem me navega, quem me navega é o bar. Que nos valha o Senhor dos Navegantes até qualquer praia possível.


Nota: Publicado originalmente em 1º de março de 2004