segunda-feira, 23 de março de 2009
O estrangeiro
Tornado andarilho, esperava reencontrar a Cidade que não via pela janela do carro, enquadrada, conforme uma voz que lhe soava, assim, meio pop. Pois sempre não lhe parecera fascinante a vida que brotava por entre as fachadas desta judiada? A Velha Senhora, recém-desnudada, até parecia querer colaborar. Curiosamente, não era de tantos pudores, como seria de se esperar; um certo constrangimento, que a sua beleza não era senão daquelas que, pra se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê. É um pouco mais.
Descendo a antiga rua de sua mocidade, pensava no velho Einstein – e só agora, verdadeiramente, o compreendia: o surpreendente não é que conheçamos o mundo, mas que nos seja dado conhecê-lo! Se um dia lhe tivera sido dado conhecer a Cidade onde nasceu e viveu, no sentido plenamente confessional, certamente mais não mais o era.... Onde, meu Deus, a velha galeria? Procurou, em vão, afastar o que julgou uma obsessão de seus cabelos recém-grisalhos. Mas não era possível; dessa vez não se tratava da especulação fastidiosa de hábito. O alheamento realmente o assaltava, como despojamento, como espoliação de suas próprias lembranças. “Não pode ser aqui, devo-me estar confundindo...” O desvelamento que súbito o fazia estrangeiro na rua onde crescera sequer chegava a soar violento, posto que insidioso. E, nisso, acima de tudo, por demais cruel: tudo estava lá, mas não estava! Exílio que se faz no tempo, o que realmente o estarrecia era a constatação da impossibilidade do retorno.
Não só os lugares não estavam mais: assim também as pessoas. Não algumas, determinadas: as pessoas. Não havia propósito com que pudesse atinar. A Cidade não crescera, mudara-se sem deixar endereço, como aquelas tantas inundadas de pretensão e descaso. Mas o que aqui se poderia represar, senão o ressentimento? Vagou a procura de nenhures. Um estranho silêncio, uma calma perturbadora. Onde estariam os que ali não estavam? Preparando o levante? O que se tramava à espreita, de uma forma tão descaradamente dissimulada? Onde teria estado, enquanto eles vieram e tudo levaram? Mas se caminhara por todos esses anos e não se poupara, a vigiar, até, quando diabos foi que tudo se acabou?
E acima de todas as dores, a única verdadeiramente indizível: a de nunca poder saber, de verdade, se não teria sido ele quem acabara.
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Para variar, mais um texto delicadamente lindo e emocionante.
ResponderExcluirBeijos.