terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Soneto do Bar do Biu

Virando numa curva distraída
- era noite de samba e butiquim!
Um sol brotou gigante dentro em mim
Bem quando ouvia o Vendaval da vida

Pra tudo o que tardou aquele Dia
negou-se a enfim deixar haver depois
Porque manjar algum não poderia
Dizer mais de nós que um baião-de-dois

Mister após um ano confessar
Faltar-me a tua presença como o ar
Se súbito os olhos não te contemple

Só no mais enumerar alegrias:
Trezentos e sessenta e cinco dias
Que mudaram minha vida pra sempre

[pra Stefânia, minha "Amada pra valer"]

segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Três sambas pra José

Nos 103 anos do Vovô Amigo


João Valentão

Dorival Caymmi

João Valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção nem pensa na vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seu momento na vida...

É quando o sol vai quebrando
Lá pro fim do mundo pra noite chegar
É quando se ouve mais forte
O ronco das ondas na beira do mar
É quando o cansaço da lida, da vida
Obriga João se sentar
É quando a morena se encolhe
Se chega pro lado querendo agradar

Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir pra sonhar
Porque não há sonho mais lindo
Do que sua terra, não há


Pedro Pedregulho

Geraldo Pereira

Pedro dos Santos vivia no Morro do Pedregulho
Quebrando boteco, fazendo barulho
Até com a própria polícia brigou
Vivia do jogo e quando perdia só mesmo muamba
Rasgava pandeiro, acabava com o samba
Parece mentira, Pedro endireitou...

Stelinha, orgulho do morro, mulher disputada
Que quando ia ao samba saía pancada
Ao Pedro dos Santos deu seu grande amor
E ele trocou o revólver que usava, fingindo embrulho,
por uma marmita, e sobe o Pedregulho
De noite, cansado do seu batedor.


Caco velho

Ary Barroso

Reside no subúrbio do Encantado
Num barracão abandonado
João de Tal, cabra falado
E dizem que viveu fora da lei
Foi um rei
Que zombava da morte
Tinha um santo forte

No meio de gente bamba
O seu prazer era tirar um samba
Pulava, dava rasteira
Topava briga de qualquer maneira

Mas hoje é um caco velho que não vale nada
Tem a cabeça branca, a pele encarquilhada
Faz até pena ver o seu estado
(pobre coitado!)
A vida é essa...
É um segundo que se esvai depressa
Todos nós temos o nosso momento
E depois dele o esquecimento

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

São Sebastião

Eu vi chover eu vi relampear
Mas mesmo assim o céu estava azul
Samborê, pemba, folha de Jurema
Oxóssi reina de norte a sul!


Obrigado padim
São Sebastião!
Por poder ofertar
Nesse cantinho
que é altar e congá
Em tua devoção
por dois anos já
Um pouco de mim

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Planos de janeiro

Este ano, sabe, eu quero botar termo às ilusões irreais, fabricadas – ainda que belas – e me libertar, me abrir para as ilusões verdadeiras, que me conduzam pelos caminhos da beleza, da criação e da união. Do outro.

Este ano eu quero botar o bloco na rua, brincar, botar pra gemer. Até porque, pra falar a verdade, mesmo morrendo de medo, mesmo caindo do galho, porra, nunca ninguém pôde dizer que eu tenha fugido da briga quando o pau quebrou!

Neste ano eu quero sair de casa numa sexta-feira, de camisa branca, nova. Ir ao bar e beber e ouvir cantar o velho sambista amigo meu. E quero sair pra tomar a saideira. E eu não quero voltar, perdido de amor, de pé numa esquina barulhenta, entre os ônibus que começarão a vir e as putas que acabarão de ir.

Eu quero apenas não voltar. Quero só ir, e ir, e ir cada vez mais.

No carnaval deste ano, eu quero me vestir de sereia, com um rabo bem verde e cílios amarelos enormes. E uma peruca ruiva, de preferência, com um diadema de estrasses bem ordinários. Eu vou me divertir, na certa eu vou sambar, mas desta vez a ilusão não vai me pegar. Vou só ficar bebendo com os amigos nos butiquins mais mais vagabundos e fazendo declarações de amor politicamente incorretas.

Na Terça-feira Gorda vou me fantasiar de pierrô. Por dentro. Apaixonado assim pela colombina mais bonita do baile...

Este ano eu quero conhecer uma praia nova, bem bonita, onde a gente só possa chegar de barco, pra poder levar a minha filha. Onde tenha uma casa sem eletricidade bem no meio do mato, pra poder conversar com os amigos e com os grilos e com o riacho que passar atrás. Pra poder brigar com a namorada e pra gente saber que a beleza da vida implica na sua imperfeição.

Este ano, no São João, eu vou brincar a quadrilha a valer. E vai ter um casamento caipira, onde eu vou ser a noiva.

Quero mudar pra uma casa nova, este ano. Vermelha, de preferência, com um quintal bonito onde eu possa fazer uma festa de casamento. A mais bonita. Pra todos os meus amigos – e os filhos deles – encherem a casa e a cara até não se poder mais.

Este ano vou cuidar da saúde, fazer dieta e beber menos. E acordar mais cedo todo dia pra nadar.

Olha, eu vou tirar férias este ano e passear muito. Quem sabe eu vá a Minas, ver de novo aquelas igrejas e casas e montanhas velhas. Quem sabe até não vejo por lá alguma festa bonita, dessas que não tem mais, com a pretoria toda castigando tambores velhíssimos como as montanhas e as igrejas? Vou, sim, eu vou a Minas este ano... Assistir à missa e acompanhar a procissão – tomara que não chova!

Até o Natal deste ano – tenho certeza – não vai ser chato que nem o natal desses últimos anos todos. Vamos fazer uma festa bem bonita, armar a árvore e o presépio. E vamos comer e comer e comer e beber até não sobrar nada. Vou convencer meu primo a se vestir de Papai Noel, só pra minha filha sorrir aquele sorriso que é o sopro mais puro de tudo o que existe.

Do jeito que este ano vai ser incrível, eu viro até personagem de livro - de tão bacana que este ano vai ser!

É... Pra esse ano ser perfeito eu vou dar um pulo no meu Rio de Janeiro. Não, não vou ao Rio de Janeiro nesse dia, não. Vou três dias antes, claro, é bem melhor, com certeza. Então eu vou ligar pro meu Amigo, pro meu Xará e convidá-lo pra gente beber. E a gente vai ficando assim, bebendo uma bebedeira bem vagabunda... E eu não vou deixar ele ir embora, não! A gente vai ficar bebendo... Bebendo...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Soneto de natividade para Dara

Mamãe que é em pessoa dádiva e riso
Por nove meses no ventre gestara
Caudal de essência tão bela e tão rara
Estrela em tela que estela diviso

O arauto virtual a nós anuncia
Júbilo ao cabo de tão grande espera,
A chegada de quem muito supera
Tudo que o pai já compôs de poesia

Aceita, ó Dara, este incenso remoto
Que em ondas etéreas ora navega
Mesmo se o senso ordinário se nega

De quem já é teu reverente devoto
Qual daquel'Outro pequeno também
Nascido em mês de dezembro em Belém

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Canoas do Tejo

(Frederico de Brito)

Canoa de vela erguida
Que vens do Cais da Ribeira
Gaivota que anda perdida
Sem encontrar companheira
O vento sopra nas fragas
O sol parece um morango...
E o Tejo baila com as vagas
A ensaiar um fandango

Canoa, conheces bem
Quando há norte pela proa
Quantas docas tem Lisboa
E as muralhas que ela tem
Canoa, por onde vais
Se algum barco te abalroa
Nunca mais voltas ao cais
Nunca, nunca, nunca mais.

Canoa de vela panda
Que vens da boca da barra
E trazes na aragem branda
Gemidos de uma guitarra
Teu arrais prendeu a vela
E se adormeceu, deixa-lo
Agora muita cautela
Não vá o mar acordá-lo

Canoa, conheces bem
Quando há norte pela proa
Quantas docas tem Lisboa
E as muralhas que ela tem
Canoa, por onde vais
Se algum barco te abalroa
Nunca mais voltas ao cais
Nunca, nunca, nunca mais.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

Buenos dias, Capitán!

No dia-a-dia ele fala pouco. Assim quietinho chegou a primeira vez, desembainhando a cuíca e pedindo licença pra sentar na roda. Olho azul, cabelo louro, a rapaziada desconfiou. Mas não é que o alemão sabia do riscado? E foi fazendo com a gente aquela camaradagem de samba e butiquim, uma cervejinha aqui, um breque "chorado" na cuíca, a prosa boa da Zona Norte, meio malandra, meio caipira.

Até que um dia veio contar que ia comprar um butiquim ali perto, em sociedade com a irmã. O estabelecimento já era antigo no pedaço, mas não muito manjado pelo time do samba-choro que freqüentava ali o nosso reduto, administrado pelo bom Cidão. Mas camarada comprando butiquim é sempre notícia alvissareira. E assim começamos a passear por aquela meia-porta escondida atrás do cemitério, que aos poucos passou a receber a rapaziada musical de Pinheiros. Dali pras rodas de samba e choro se instalarem foi um pulo.

O tempo foi dando as suas voltas, o Ó do Borogodó hoje é o que é. E a irmã do Léo, como naquela velha canção do Caboclinho Querido em homenagem ao bairro da Casa Verde, "hoje é minha"... Mas o que eu queria mesmo lhes contar é que aquele que pra nós já foi "o alemão da cuíca", o "Léo do Sem Vintém", o "Leozinho do Ó", que conserva o jeitão desligado e o carisma dos olhos ainda jovens, basta só uma brisazinha de maresia pra se transformar, como nas histórias de heróis, no intrépido Capitão Léo Gola, assim mesmo, com nome de personagem de ópera! E eu juro que quem o vê pelo balcão do bar não reconhece o bravo enfrentador de vagas e marolas, faça sol ou faça chuva. Não lhe vê a barba russa eriçada pela viração, nem a tempestade de raios satisfeitos e trovoadas desafiadas que se lhe faz no céu dos olhos, de costume tão azuis.

Este que vos escreve dá testemunho de que quem o vê por trás da cuíca marota e da beleza plácida de garotão não sabe o tarado, o louco, o sanguinário, no convés de seu veleiro de três mastros, como na canção-retrato, basta a água salgada acarinhar de leve a barriguinha de seu Oxalá (o maior, como está dito!). Não tem noção da comoção e do respeito que provocam a simples menção de seu nome de rei, lá pelas plagas onde parece ter encalhado um barcão bem maior, todo vermelho, por cima de um rochedo quase dentro do mar. Não sabe que por ali ele manda chover e manda parar, conforme o capricho dos amigos a quem se põe a encantar.

Não conhece o desbravador da baía da Ilha Grande! O prefeito de Cajaíba, leão no nome e no signo.

O grande Capitão-de-Mar-e-Guerra Leonardo Gola! Meu cunhado, sim senhor!