sexta-feira, 11 de junho de 2010

Dibrinho

Resolvi fazer um blogue novo, durante a Copa. Resolvi hoje. Maiores (ou não) explicações, por lá.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O baticum, segundo o computador da USP

Nei Lopes


Volta e meia aparece alguém decretando a morte do samba, ou achando que ele é alguma coisa difusa e antiga que existiu musicalmente em tempos idos. Isso já motivou letras e letras, tentando mostrar o contrário. Em uma delas, por exemplo, nosso Nelson Sargento diz que o nosso gênero-mãe "agoniza, mas não morre", numa afirmação da qual pedimos licença para discordar, pois o samba, desde o Pelo Telefone, nunca esteve agonizante. Muito pelo contrário!

Semana passada, mesmo, estivemos lá no Espaço Anhanguera, na Barra Funda, no terceiro aniversário da roda de samba dos Inimigos do Batente, turma que lê Bourdieu e sabe que nas trocas simbólicas do samba tem muito mais negociação do que conflito. Pois a festa "botou pelo ladrão", com pelo menos mil pessoas cantando e dançando até quase de manhã ao som do batuque ancestral.

Fora dali, outras provas eloquentes da vitalidade e da diversidade do nosso ritmo poderiam ser claramente vistas ou ouvidas, por exemplo: na contemporaneidade do Clube do Balanço, com seu samba-rock; no Quinteto em Branco e Preto, que trafega entre a modernidade elegante e a tradição engajada, nos palcos e no disco, já há quase 15 anos; no trabalho espiritualizado e reverente da cantora Fabiana Cozza? E isso, falando só da Pauliceia.

Pois é. Desde 1917. E, assim, historiando, lembremos de Tempos Idos, obra na qual o grande Cartola se orgulhava de o samba ter saído do morro e chegado aos salões, indo exibir-se "pra Duquesa de Kent no Itamarati", como de fato aconteceu nos anos 50. Essa trajetória, anotada pelo genial compositor, simbolizaria a ascensão social do gênero e da cultura que o gerou. Coroada em 2001 com a outorga da Ordem do Mérito Cultural a quatro das escolas de samba cariocas pelo Ministério da Cultura, em solenidade palaciana de Brasília, essa ascensão culminaria logo depois com o tombamento do samba como patrimônio imaterial da humanidade.

Medalhas e brasões todos sabemos quanto custam. Da mesma forma que sabemos que o tombamento de um bem cultural tanto pode protegê-lo contra dilapidações quanto propiciar o engessamento de possibilidades desse bem, seja ele tangível ou imaterial. Além disso, a cultura brasileira, quando fala de samba, está quase sempre se referindo às escolas, numa generalização ingênua.

Sabemos que é difícil, para quem não é do ramo, perceber a diferença que hoje existe entre samba e escola de samba, e o grande fosso que se cavou entre essas duas instituições. As escolas nasceram bem depois do samba, com a intenção de desestigmatizá-lo e legitimar sua aceitação pela sociedade dominante. Mas elas hoje, embora deslumbrantes, cada vez mais se distanciam do universo que as criou.

Se o leitor ainda não compreendeu a diferença, compare, por exemplo, certos aguerridos conjuntos de "velhas guardas" com as agremiações que lhes emprestam os nomes. E, de quebra, evoque um grande sambista, principalmente falecido, e veja se seu nome é sequer lembrado nas "quadras" de hoje, cheias de gente "famosa".

E é em meio a essa reflexão que nos chega a notícia de que um programa de computador desenvolvido por pesquisadores da USP e da Universidade de São Carlos, visando a acabar com as "atuais, e subjetivas, definições de gêneros musicais", está promovendo uma reclassificação. Por meio de espécies de partituras digitais, tomando como base a percussão e abolindo as categorias tradicionais, estabeleceram-se padrões que serviram para reclassificar 400 músicas, geralmente agrupadas nas categorias rock, reggae, bossa nova e blues. E, aí, a máquina, reconheceu como "100% bossa nova" o grande samba O Bêbado e o Equilibrista, de João Bosco & Aldir Blanc, conforme matéria publicada pelo jornal O Globo.

Confundir samba-enredo com bossa nova não é culpa da máquina, claro, e sim de quem, ao alimentá-la, não teve a sensibilidade de entender que o gênero é o samba, e que a bossa nova é apenas um belo estilo interpretativo nascido dele ou, quando muito, um subgênero.

[publicado originalmente no Portal Estado]