Butiquim que se preza,
ninguém sabe o endereço; só sabe chegar.
Butiquim que se preza
deve ter razão social e nome fantasia. Mas estes devem ser
solenemente ignorados pela clientela, que só se referirá ao
estabelecimento pelo genitivo: “bar do Zé”, “buteco do Juca” etc.
Butiquim que se preza
só tem um banheiro, unissex. Mas se tiver mais um, feminino, é
imperativo que seja trancado e que a chave fique em poder da mulher
do proprietário, responsável pela culinária da bodega.
Butiquim que se preza
tem limão e/ou gelo no mictório. Tolera-se a naftalina. Papel
higiênico também tem que ser solicitado ao portuga.
Na arquitetura do
butiquim que se preza, o balcão é de longe o elemento
preponderante. Todos os demais devem estar em função dele.
Butiquim que se preza
não serve batata frita, não tem quéti-chupe, nem maionese.
Butiquim que se preza
tem vitrine para exibir as iguarias produzidas pela cozinha local.
Nesta, deverão estar permanentemente expostos, ao menos: 1) algum
ovo de coloração diferente da natural; 2) uma sardinha e/ou
lingüiça preparadas minimamente com 24 horas de antecedência.
Cerveja, no butiquim
que se preza, é Brahma e/ou Antárctica. Só. Estúpidas.
Vá lá, Caracu.
Butiquim que se preza
não vende cerveja de lata, a não ser, em último caso, pra viagem. Deve haver meia-cerveja, para os bebedores solitários
ou apressados. De garrafa, desnecessário repisar.
Butiquim que se preza
tem seus solitários obrigatórios.
Butiquim que se preza
tem pinga da casa, purinha, de alambique, de preferência num
garrafão azul. Mesmo que abastecido, religiosamente, com a 51 mais
ordinária.
Butiquim que se preza não bate sol dentro em nenhuma hora do dia, nenhuma época do ano.
Butiquim que se preza
não usa nenhum utensílio descartável, salvo guardanapos.
Em butiquim que se
preza, palito é no paliteiro, sal é no saleiro. Parece absurdo?
O repertório de copos
do butiquim que se preza se resume ao indefectível americano, o
longo e alguma espécie de abaulado, para os tomadores de conhaque.
Todo butiquim que se
preza tem o seu tomador de conhaque.
Butiquim que se preza
deve ter um cardápio enxuto, necessário e suficiente: os malfadados
petiscos de vitrine, que mataram o guarda; tremoços, azeitonas e
amendoins. Uma conserva de procedência duvidosa pode eventualmente
ser bem vinda. Se servir almoço, prato do dia, mais duas ou três
opções no comercial. Mais nada.
Aliás, butiquim que se
preza não deve ter nenhum guarda num raio mínimo de 300 metros.
Butiquim que se preza
todo mundo sabe o nome de todo mundo. Mas ninguém sabe o sobrenome
de ninguém.
Butiquim que se preza
deve guardar, na freqüência, desproporção de gênero da ordem de
10 para 1. Dez homens pra cada mulher, bem entendido. Mesmo as
moscas, preferencialmente devem ser do sexo masculino.
Em butiquim que se
preza, tudo se discute. Nada se estabelece.
Butiquim que se preza ostenta obrigatoriamente um nicho ou altar em honra ao protetor do estabelecimento, prevalencendo estatisticamente São Jorge, Seu Zé e o Padre Cícero.
Butiquim que se preza deve tolerar as manifestações artísticas esporádicas de seus freqüentadores, sejam discretas batucadas de balcão, até ajuntamentos musicais de grandes proporções. Fazer o quê?
Butiquim que se preza deve tolerar as manifestações artísticas esporádicas de seus freqüentadores, sejam discretas batucadas de balcão, até ajuntamentos musicais de grandes proporções. Fazer o quê?
Butiquim que se preza
tem que ter um dono mal-humorado, tendente a grosso, de preferência
português ou espanhol. E se tiver garçom, que seja gentil, discreto
e fumante.
A visita à cozinha do
butiquim que se preza é vivamente desaconselhada.
Butiquim que se preza
deve vender, basicamente, além dos birinaites enebriantes e comidas
insalubres, gêneros de primeira necessidade como cigarros, fósforos
e fichas telefônicas. Não muito mais que isso, para evitar atrair a
freqüência demasiada de estranhos ao ambiente do bar.
Butiquim que se preza
deve ter televisão com bombril na antena, que será ligada única e
exclusivamente nos horários de jogos de futebol envolvendo as
agremiações locais ou o Escrete. E olhe lá.
A presença de crianças
num butiquim que se preza é apreciada, discretamente, à guiza de
formação das novas gerações, exclusivamente pelo tempo compatível com o grau de iniciação do
neófito.
Em butiquim que se
preza, ninguém é “afro-descendente”, “de opção sexual
diferenciada”, ou “portador de
necessidades especiais”. Preto é preto, crioulo, negão; viado é
viado, bicha, perobo. Cego é cego, surdo é surdo, aleijado
é aleijado. E os crioulos, viados e aleijados que o freqüentam não
se sentem, por isso, ofendidos.
Em butiquim que se
preza não se diz “veado”.
Butiquim que se preza
deve conter cartazes com ditos edificantes para a educação do povo,
tais como “a inveja é uma merda”, “fiado só para maiores de
80 acompanhado dos avós”, que devem figurar ao lado do pôster do time do coração do bodegueiro.
Em butiquim que se
preza, nada é proibido. Mas nem tudo é permitido.