quarta-feira, 11 de março de 2009

Sport bretão


Escreve-me uma gentil senhora, para que eu discorra sobre a reforma ortográfica e a (não tão nova) onda de anglicismos que salpicaria de “bizarrices desnecessárias” a pureza de nossa última flor do Lácio. Incrementando a relação de damas que venho decepcionando ao longo da existência, sobre o primeiro tema, apenas uma palavra: ignorarei. Quanto ao outro, além de não vislumbrar nenhuma remota utilidade nos meus palpites, calarei em modesta homenagem à esplendorosa Sorriso-Maracanã, cultora inigualável do idioma de Shakespeare . De mais a mais, a coisa já chegou ao nível do esculacho. Dispensa comentários um sujeito que ouvi outro dia dizer, referindo-se à recente separação, “estar planejando um apigreide na sua vida sentimental”; ou o treinador de uma tradicional agremiação futebolística (ultimamente um tanto em baixa), justificando a duvidosa escalação de Fulano na zaga por “terem sido deletadas as outras opções disponíveis”...

Opiniões a parte, já que a semana rescende mesmo a futebol, eis aí um terreno onde o jargão britânico sempre soou não só natural, como até charmoso, evocador daquele tempo em que violão não era ligado na tomada e fábrica de suspensório dava lucro, como diria o saudoso Moraes Sarmento, a quem ando devendo uma homenagem. Minha paixão pelo futebol é em grande parte imputável ao meu velho e queridíssimo vô Dante, que dizia que o Palmeiras conseguira um bom scorer (com o esse chiado e o erre arranhado do Engenho de Dentro) fora de casa; corner (olha os erres aí de novo!), em vez de escanteio; que chamava goleiro de keaper e volante de center-half (soava “alf”, sem o aspirado e com a de “árvore”, na deliciosa pronúncia então vigente da Estação de São Cristóvão para cima). Isso tudo, claro, num jogo narrado pelo speaker!

Talvez seja mesmo o football (que no Rio se diz “futibol” e em São Paulo “futEbol”) a retina cansada do nossos olhos sentimentais, onde tudo é projetado ao inverso. As alhures esquisitas expressões da língua do cantor-jardineiro Elton John (que não é Shakespeare, diga-se) não provocam nos gramados o estranhamento e a irritação que assomam à rebeliana leitora. Ao contrário, soam naturais, familiares, como um dominus vobiscum em fim de missa, um pas de deux em pleno Quebra Nozes!

Paradoxalmente, portanto, na era do marketing e do delivery, quase ninguém mais diz nem “beque” (aportuguesamento que só perde em autoridade ao insuperável “serve-serve”, aquele restaurante sem garçom onde os candidatos a comensais enfrentam mais filas que em venda de ingressos para o setor 1 da Sapucaí...). “Beque” impunha respeito, era malvado; “zagueiro” parece posto da Cavalaria...

Só restou mesmo o insuperável “GOL”, devidamente grafado, a despeito de toda privatização. Até porque nem mesmo o mais tinhorano dos rebelos conseguiria explodir num grito de “TEEEEEEEEEEEEEEEEEENTO” do Palmeiras...

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