Faz um dia de chuva insuportável nesta triste cidade. Ouvi outro dia uma canção no rádio que dizia que "cariocas não gostam de dias nublados"... Deve ser isso, meu humor é susceptível demais às variações meteorológicas. No Rio, as pessoas são, como os passarinhos, mais dóceis aos comandos da natureza, que manda que num dia assim você fique quietinho em casa tomando nescau e vendo um filminho na Sessão da Tarde. Mas esta cidade, com sua premência em fazer as coisas todas e ir aos lugares tranforma um dia chuvoso num verdadeiro exercício de penitência quaresmal (mortificam-me especialmente os sapatos encharcados pelo resto do dia, já que pedi, mas ninguém me deu um par de galochas...).
Quando era criança, morávamos numa casa de bairro onde eu, mesmo que não fosse assim um grande explorador da natureza como outros meninos, tinha o quintal à disposição. Em dia de chuva, porém, o jeito era ficar dentro de casa, fazendo engenharias com as almofadas da sala, o que deixava mamãe maluca. À tarde, na tv, ela não dispensava um programa desses iguais a tantos outros que depois vieram, com médicos e receitas, chamado Xênia e você, apresentado pela própria. Esse nome, seu cabelo mechado penteado de laquê, aquela voz tão nasal ficam-me retumbando na cabeça, remoendo, toda tarde de chuva, uma melancolia de infância.
Via de regra sou um nostálgico, é sabido, mas não particularmente da infância, como a maioria das gentes. Acho, na verdade, que fui menos criança que os outros, já era meio gente grande, preocupado com a crise do petróleo e o terrorismo das Brigadas Vermelhas na Itália (pensava nisto outro dia, vendo minha filha brincar a valer com um bando de crianças que ela conhecera fazia cinco minutos...). Tenho muito mais saudade de lugares e de pessoas do que propriamente de ser criança. Mas hoje, imobilizado no trânsito, sapatos encharcados, deu uma tremenda vontade de ouvir a voz da Xênia embaixo de um túnel de almofadas e esperar minha mãe trazer uma bandeja bem cheirosa com misto quente e nescau batido no leite.
Ora, ora, ora, meu bom Szegeri... arremessado ao passado, meu caro? Pois faz bem. Só um breve pitaco que me veio à cabeça enquanto estava a ler-te: não tens assim, tanta saudade dos tempos de criança porque já nasceste barbado, peludo, já funcionário público e já lendo Hegel enquanto seus coleguinhas de classe, putos miúdos no quintal do colégio, riam a valer das travessuras da boneca Emília. E fechando, caríssimo! Larga mão de seres parvo, ao menos comigo! Corri, naquele tempo, toda a extensão do SAARA em busca de galochas. Sem êxito, como se vê. Bêjo-tchau.
ResponderExcluirgostaria muito do tema de abertura do programa xenia e voce... por acaso voce sabe????
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