sexta-feira, 3 de abril de 2009

À procura de Paula




Dois grandes jornais de São Paulo estamparam, há algum tempo, o desespero de um jovem suíço à procura de seu amor brasileiro. Da chamada em letras garrafais, num anúncio de meia página, emprestei o título para esta crônica, logo após do quê raiava despudorada a dupla verve de seu desconsolo: vira-a apenas duas vezes e perdera o número de telefone que ela lhe deixara.

Não vos direi que a fugacidade do momento amoroso seja inversamente proporcional à paixão desencadeada. Soaria demasiado velhaco e já estou em idade em que o estoque de reputação não está para desperdícios. Mas afirmarei sim, ó leitora atenta para os deslizes sentimentais do velho cronista, que a brevidade aguça a impressão deixada na alma pelo objeto do nosso desejo: se a marca foi intensa, sua recordação sempre suscitará um frêmito lamurioso que só faz derramar mais e mais deleites sobre a imagem do amado, corrigindo-lhe pouco a pouco as imperfeições do traço, acentuando-lhe a musicalidade da voz, acetinando a lembrança do toque.

Se, ao contrário, o primeiro impacto foi pífio, o contato efêmero obstará ao tempo seu labor paciente de educador do gosto, da paciência e da tolerância. E como numa antiga fotografia de uma tia-avó que só vimos uma vez, quando criança, a imagem irá se desfazendo, devagar, em meio a uma nostalgia vaga, despejando no coração gotinhas diárias de indiferença, até que se torne candidata a encher o saco de lixo da próxima arrumação das gavetas.

Mas não fosse nada disso, meus caros, a perda do número do telefone é quem dá o inapelável toque à nossa história. Diferente do samba famoso, onde a meia e o sapato ocupam resignadamente o lugar do retrato perdido, o papelzinho desaparecido encheu-lhe o peito de uma obstinação e de uma esperança.

E essa obstinação é que o fez trabalhar durante quatro anos, numa Suíça gelada e distante, a cada dia, em metódica aglutinação dos tostões, em busca da pequena fortuna necessária para apregoar aos quatro ventos a sua paixão. A cada dia se levantava e trabalhava movido pela certeza de que não podia fazer outra coisa, senão ficaria louco. Atormentava-o especialmente, muito mais do que a possibilidade de que estivesse casada ou mesmo morta, a imagem da moça julgando-se desprezada, ante o seu silêncio. Logo ela, a encarnação de todos os seus sonhos. A necessidade de dizer-lhe, dizer ao mundo que fora vítima indefesa do capricho do acaso, impelia-o acima de tudo.

Não sei se Paula apareceu, ou se aparecerá algum dia. O peito desanuviado pelo grito liberto certamente suportará melhor a angústia de sua ausência. E para sempre lhe restará a esperança de que sua amada ouça, no sussurro da última brisa, ou na voz do derradeiro arauto, que Ele a espera.

(março de 1999)

Publicado originalmente em 03 de dezembro de 2004

2 comentários:

  1. Que coração grande e apaixonado o seu que transborda palavras tão calientes e tão singelas. Achei lindo. bjos

    ResponderExcluir
  2. Anônimo7/4/09 10:45

    belo resgate esse texto fê... propicio aos tempos de hoje tão diferentes, talvez poucos ousariam desanuviar o peito para suportar melhar a angústia da ausência como dizes... ou simplesmente manifestar essa cousa doida que se nos arrebata vez em quando... adorei o texto e esse pedaço de papel...beijo, lela

    ResponderExcluir