segunda-feira, 13 de abril de 2009
Carta
Amiga,
Chove uma chuva miúda. Saí para ver, contrariado, mas não é que me pareceu leve e fresca, de destampar os velhos frascos das emoções suaves, das lembranças calmas?
Senti ímpetos de telefonar, como há muito não havia. Conteve-me o temor do que achasses despropositado, ou até ridículo. Imaginei-te na fila do supermercado, descarregando o carrinho, sabe-se lá, e um maluco do outro lado, desajeitado de sempre, torturado pelos instantes em que uma resposta naturalmente tardasse... Depois de tantos anos!
Ainda que perdidos nos mundos descaminhos, trilhados com a sinceridade possível e uma objetividade não-sei-onde arranjada...
Ainda que perdida a dimensão da grandeza toda que fora....
Ainda que grandeza nenhuma importasse, se tudo se construiu na simplicidade imensa dos momentos que outrora fundaram tantas possibilidades. Nos momentos em que foram perfeitamente normais e aceitáveis as incredulidades todas, as imprevidências, as grandes e consentidas boutades... E o cansaço. O merecido cansaço.
(São os mesmos momentos que agora me sufocam! Porque no frigir de todos os ovos, na massaroca do bolo geral, tudo se perde na grande falta de sentido, que acaba por nos absolver a todos. De tanto realizar o percurso, o espírito regrado se aquieta numa conformidade fabricada e conveniente. Mas não nos momentos! Essas crateras por onde fumegam os humores menos domados, e por vezes explodem as querências de alguma vida ainda, magma cálido a se petrificar num oceano gelado de mediocridades e presunções.)
Ainda, amiga, que tu estejas achando tudo isso tão estranho...
Saiba que esta tua presença distante, paralela, tem o condão de salvar a minha vida da ameaça das pequenas ruínas (das grandes, lamentavelmente, parecemos a salvo...) que tanto sempre temi. A tua lembrança, suave e fresca, como o vento que esta chuva carrega.
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A chuva às vezes deságua em nós certas saudades,não é mesmo?... sei bem o que são essas distâncias. Texto emocionante. Abs.
ResponderExcluirCompreendo cada respiração e cada pausa destas linhas. E me solidarizo, sob a chuva que também cai sobre mim neste instante, com vossa delicada e generosa solidão.
ResponderExcluirQue lindo isso, quanta emoção...
ResponderExcluirObrigado a todos pelo incentivo.
ResponderExcluirnossa, fê... que lindo...
ResponderExcluiremocionante...
beijos, tati