quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Voltando o troco - Parte II


Sebastião Oliveira é um próspero empresário do ramo de seguros. Começou pequenino, o único cliente por muito tempo foi o Seu Joaquim do Vira Três, butiquinzinho na rua sem saída que acaba atrás da escadaria que desce da avenida. Uns dizem que o nome vem dum pinguço conhecido bem antigamente no bairro que, contam, chegava de manhãzinha, virava três maria-moles e voltava pra dormir na praça até o fim do dia, na hora da segunda “refeição”. Outros dizem que é por causa da localização: passa o escadão, vira a esquerda, depois de novo e de novo. Seu Joaquim não gostava de nenhuma das versões e sua grande tristeza é que ninguém se referisse ao seu estabelecimento pelo nome de batismo: Bar e Lanches Nossa Senhora da Ajuda, com direito a nicho e oratório. Um ou outro ainda arriscava em casa, pra mulher, tentando dourar a pílula indigesta: “vou comprar cigarro no Ajuda”.

A dobradinha das terças era de primeira! E não é que a espelunca ficava abarrotada? Dona Francisca caprichava no bucho com feijão branco, muito paio, lingüiça, batata “inglesa”, azeitona preta, ovo cozido, asinha de frango, servida com arroza à grega, sim senhor. E foi bem numa terça, bem na hora do corre-corre, que o Tião Bica d'Água entrou espavorido, trepado num 38 rodado, pra tentar arrumar unzinho pra segurar as despesas urgentes. Não que fosse a primeira nem a segunda vez. Mas naquele dia Seu Joaquim veio com uma conversa mole que, na hora, ferveu a idéia do malandro, mas acabou sendo o início de uma nova vida, menos arriscada, menos aflita, mas muito mais cheia de responabilidades. Afinal, o que parecia 171 do português maluco, acabou por se tornar um pioneiro empreendimento logo popularizado entre a clientela dos mais variados setores da sociedade local.

Naquele tempo, personal era a palavra de ordem na área! O Oswaldão, professor de ginástica do Grupo, virou trainer; a dona Maricotinha, costureira, stylist. E a coisa ia de vento em popa pra quem não se deixasse ficar pra trás, porque, afinal de contas, o bairro se modernizava, aquelas casas velhas todas, com aquele monte de tábuas no teto e no assoalho, dando lugar aos modernos apartamentos de vidro e concreto. Cada prédio, uma beleza! Park of Princess, Spazzio della Fontana, Silver Gardens... Quem diria, aquela vila cheia de galpão de fábrica!? A idéia do português foi comprada pelo Tião, que em pouco tempo botou a coisa pra funcionar. E como funcionava! De início, teve trabalho, precisou usar de toda sua reputação na área, botar respeito, fazer correr uns manguinhas-de-fora; só teve de usar “convencimento” pra valer com o João Corre-Cotia, mas o moleque, coitado, tão doido, se não caísse de bala, caía de bagulho. Ou na mão de fornecedor, que já andava mais enrolado que linha de pipa em lata de óleo. Depois, foi uma belezura só! Seu Joaquim satisfeito, não precisava mais passar incerteza, até podia fechar o bar mais tarde, as receitas aumentaram. Os comerciantes em volta gostaram da coisa e engrossaram a carteira de clientes. Aí já tava bem mais fácil pro ex-malandro, era raro aparecer um “sinistro” pra resolver. Quando os moradores começaram a querer aderir, Sebastião colocou duas meninas de sua estrita confiança pra vender os planos de porta em porta, que a freguesia merecia um conforto, sacomé?

A coisa no bairro andava que nem rolimã em ladeira asfaltada. Moradores satisfeitos, o comércio local faturando mais, Sebastião enchendo as burras. Virou padrinho do Águia da Baixada, agremiação semi-secular que passou a ter campinho gramado, uniforme de jogo e de treino, condução para as competições importantes, e andou até faturando o campeonato da liga barbante. As “otoridades” satisfeitas aplaudiam as iniciativas do empresário e, claro, tinham garantida uma pequena participação nos frutos da prosperidade coletiva.

Terceirização, economia aberta, personal pra cá e pra lá. A sociedade nacional respirava ares de modernidade, o que é que poderia dar errado? O mercado responderia à falta de saúde, educação, previdência social, segurança... Planos de cobertura, seguros, tudo na base do contrato, ali ó, sem aquele monte de funcionário público folgado pra atrapalhar, carimbo azul, carimbo vermelho, três vias, passa no guichê cinco. Nada disso! Tudo pela Internet, cartão magnético, disque dois para informações financeiras, quatro para novos serviços... O Dr. Sebastião não podia ficar pra trás. As empresas do grupo foram pioneiras na automatização completa. Ele foi morar num condomínio fechado numa cidade vizinha, a 15 minutos da Marginal. Do seu escritório virtual comandava a parada toda.

Mas a casa do malandro começou a cair no dia em que aquele apresentador-deputado veio bater à sua porta.

Um comentário:

  1. Fernandão,


    Tá ficando bom!!! Aguardo o próximo episódio. Apresentador-deputado???

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