terça-feira, 15 de junho de 2004

Era uma vez um país


Vou contar para vocês uma história passada num país (do qual tenho apenas esparsas lembranças) chamado Organismo, dividido em muitas regiões e habitado por indivíduos chamados células. A política naquele país um belo dia desandou, porque o Partido das Células do Coração (PCCor) advogava medidas para amenizar o que considerava os efeitos nefastos do sistema econômico então vigente sobre a parcela dos indivíduos que habitava a região que representava. Anote-se, para melhor compreensão da História, que aquele país andava fragilizado na comunidade das nações, porque não conseguia produzir mercadorias com alta cotação no comércio internacional: vanidade, sordidez, sede de poder. Em compensação, o estoque de produtos subvalorizados como a dignidade, a coerência e a compaixão andava gerando danos perniciosos ao país, produzindo um excedente de melancolia (espécie de inflação das capacidades produtivas) que estava a paralisar várias atividades consideradas, por muitos, essenciais para a sobrevivência da nação. 

Era justamente esse excesso de melancolia que o PCCor procurava combater, propondo medidas como o estreitamento das relações com outras nações radicalmente amigas e a importação em larga escala de um produto raro chamado poesia. E como o governo do Organismo era particularmente fraco e susceptível às pressões que vinham da região do Coração, as reivindicações eram atendidas amiúde. O problema é que esse estreitamento acabava por gerar, num processo de, digamos, abertura econômica, a entrada em grandes quantidades no Organismo de álcool, substâncias gordurosas e outros agentes nocivos. Isso passou a aliviar significativamente as duras condições de vida das células que habitavam o Coração, mas começou a gerar insatisfação em outras regiões da nação. A situação começou a ficar mais tensa quando nem o incremento das importações de itens fundamentais para regiões carentes, como o Omeprazol, o Legalon 70 e a Colchicina, conseguiam acalmar os descontentes. 

Como os mercados andavam voláteis e as medidas de controle de fluxo ainda eram polêmicas, em um determinado fim de semana em que houve intensa aproximação com nações amigas do continente Carioca, o Organismo foi invadido por doses estratosféricas das substâncias referidas, como se pode ler nos mais abalizados historiadores, para gáudio do PCCor. Aí foi que o Partido das Células Hepáticas (PCH) se insurgiu contra o sobreacúmulo de trabalho a que seus individuos estavam sendo submetidos. Uniram-se a ele indivíduos das regiões dos Rins, do Intestino e até mesmo dos Pés - atingidos pela invasão de criaturas alienígenas conhecidas como Cristais de Ácido Úrico – e sublevaram-se todos contra o governo, que chegou a achar que perderia o controle da situação. 

A situação de momento, informa o correspondente especialmente enviado, é de negociação. O governo prometeu que fechará o fluxo de álcool e gorduras por alguns dias e anunciou medidas de enxugamento da máquina adiposa (embora boatos ouvidos nos mercados desmintam, o que causou forte agitação e conseqüente oscilação do índice de pressão arterial). A região dos Intestinos continua sofrendo atos de sabotagem dos insurgentes (não pode haver outra explicação) e à operação padrão dos Hepáticos juntaram-se os Neurônios, espécie de conselheiros rebeldes do governo. Este limitou-se, até agora, a esta lacônica nota: “só dói quando eu rio”. 

O PCCor informa em nota oficial aos governos das nações amigas que os estoques de prazer e alegria encontram-se substancialmente reforçados, o que tende a diminuir a taxa de melancolia circulante e aparentemente corroborar as medidas por ele propostas. Por isso mesmo as reivindicações serão, por ora, arrefecidas, em nome da governabilidade. 


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A história acima é homenagem a três figuras com quem pude neste final-de-semana exercer a arte maior da Convivência: Dani-sorriso-maracanã, Eduardo e Fefê. E aos atores que participaram desse filme de maneira nada coadjuvante, pelo bolão que bateram: Papai, Dani Boaventura, Sérgio Barreto, Railídia e Iara (a rainha de todas as minhas águas). 

A todos e como lembrança permanente desse momento, cravo aí ao lado (na coluna verde), com atraso, a punhalada primorosa de meu ídolo Aldir, em parceria com o grande Paulo Emílio (aí, se o Aldir me processar, que seja por duplo motivo). Une o sorriso de Dani, a generosidade de Fefê (que me devolveu o Aldir cantando junto com o meu Gordo), a amada podridão de Edu, os rios das minhas mágoas todas e esse nosso lindo monumental porre de 72 horas do qual ainda me refaço, física e emocionalmente. 

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