sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Aldir 70


Vinha eu tentando encontrar as palavras para registrar meu pensamento intenso de carinho e desejo poderoso de um porvir sempre mais e mais propício para esta figura maravilhosa que o inesquecível Ceceu Rico logrou registrar, há exatos setenta anos, com o nome civil de Aldir Blanc Mendes. Que a música brasileira, os jornais e livros resumiram para Aldir Blanc. E que a vida, num presente pouco esperado e menos ainda merecido, pôde em fugazes mas intensos momentos fazer-me simplesmente Aldir. Vai ficando mais difícil quando você vai percorrendo, emocionado muito, orgulhoso um tico, linhas mais reconhecidas, mais felizes e sobretudo mais autorizadas. Como não chover no molhado, se esse portento de inteligência, talento, coragem e honradez o Brasil esteja careca de conhecer desde os primórdios dos anos 70, quando eu ainda tomava mamadeira?

De Aldir Blanc, então, de insabido, só poderia acrescentar que foi para eu-homem o que o monumental Rubem Braga foi para eu-rapaz; com a diferença de que ao velho Sabiá não lhe pude dizer às faces. Por entre as linhas do Lobo de focinho solitário do Cachoeiro, aprendi a fazer da vida uma coleção dos pequenos sentimentos. E que a beleza está nas coisas, mas depende de nós. Já com o Urso Branco da Tijuca aprendi a poesia ardida e (d)olorosa dos subúrbios e dos becos. A palavra justa, precisa, clamada pela melodia escandida nota a nota, no compasso, tempo... Silêncio. Aprendi a verdade pelo riso e pelo escárnio, o Rio de Janeiro rodrigueano que morreu e, insepulto, exala fedorências, assombra os crédulos, inspira piedades aos hipócritas, saudades às viúvas e indignação aos resistentes. E, acima de tudo, aprendi dignidade e coragem ilimitadas, mesmo a custa dos preços que sabemos muito altos.

 Mesmo com toda a dívida, hoje consegue ser ainda maior no meu peito o Aldir que o Blanc. O que é o pai da Mariana, mas que chora todos os dias pelas gêmeas. Aquele por quem jurei, suicidamente, o gigantesco segurança do Alcazar que o destratara. O que fez questão de pagar o dobro do que o vendedor de rua lhe cobrava, por achar que era o preço mais justo. O que distribuía pastéis sacados do bolso no meio do bloco de carnaval, vestido de jacaré, ou o que virou a mesa (literalmente) de indignação, por uma agressão injusta e injustificada. Aquele com quem pude beber só umas poucas vezes, mas o suficiente pra poder chorar amparado por suas mãos imensas. O suficiente pra sua generosidade não menos imensa e tão mal contida me chamar, um belo dia, assim meio de soslaio, "meu irmãozinho de São Paulo".

Ele mesmo costuma dizer que quem letra as canções todas  não é o Aldir Blanc, mas o Menino de Vila Isabel. Neste dia em que nosso judiado Brasil consegue reencontrar sua altivez vilipendiada e, por que não?, alguma esperança através da figura de um dos maiores de seus filhos, injeto em minhas veias o soro poluído dos versos do Poeta e ergo os braços para arrebatar o Menino do alto da goiabeira branca de onde me ensinou um jeito tão único de olhar o mundo. Para, em nanica retribuição, agasalhá-lo por instantes junto ao peito, beijá-lo e dizer: obrigado! Muito, muito obrigado...

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