Adorava se vestir de
branco. Mulato alinhado, meia-idade, sempre que a ocasião pedia um
aprumo no visual, metia logo a fatiota completa, impecável,
reluzente de sabão omo, do pisante à camisa de gola engomada. E a
sexta-feira, então, essa era sagrada, que há de se respeitar certas
coisas, que que há? Por essas coincidências da vida, morava numa
travessinha daquela avenida conhecida por concentrar hospitais,
clínicas, laboratórios de análises, toda a parafernalha médica.
Já viram?
Entrava no táxi, o
chofer:
- Troca de plantão,
doutor?
No começo, tratava
logo de ir esclarecendo, justificando o gosto, sexta-feira e coisa e
tal. Com o tempo, foi cansando de muita explicação.
- Nessa época de
inverno aumenta muito o movimento, né doutor?
Meneava a cabeça,
sorria, conformado. Se estivesse de muito bom humor, ou quando botava
pra dentro aquela caracu com ovo logo no café da manhã, arriscava
até o seu sarrinho.
- Minha mulher tem
uma dor no joelho que não sara, doutor.
- Bolsa de gelo,
três vezes por dia.
- Tou que não me
agüento da gastrite...
- Omeprazol 10 pela
manhã.
Dia desses, de
poucos amigos, atrasado nos seus quarenta minutos tradicionais, sem
caracu pra amaciar, o chofer:
- Pra onde, doutor?
- Metrô.
- E essa gripe do
porco, hein doutor?
- Pra você ver...
- Eu acho que a
culpa de tudo é dessa pouca-vergonha, doutor.
- ...
- Hoje em dia o
mundo tá cheio de abominação, valha-me Deus! Homem com homem,
mulher com mulher, entra cachorro, cabra, agora até porco!
- Olha, eu não...
-Diga, doutor, o
que que eu faço agora, que não tenho nada a ver com a porcaria
toda? Máscara, vacina, como é que eu defendo as minhas crianças,
doutor?
- Não sou médico...
- Médico,
enfermeiro, tudo a mesma porcaria também. Até estagiário eu canso
de pegar. Não é possível que ninguém vá me ajudar?
- É que hoje é
sexta...
- Olha aqui, meu chapa...
- Mercenário, como todos. É nessas que vai embora o dinheiro do povo.
********
Confusão total no
Distrito, três flagrantes pra lavrar, todo mundo se acotovelando na
ante-sala da “otoridade”, chofer, passageiro, polícia,
testemunha, o cara que bateu atrás. Vem o escrivão:
- Que é que há por
aqui?
- Tava na avenida, o
cara do táxi meteu o pé no breque...
- Meti o pé, não,
esse ignorante é que quis meter a mão na minha cara....
- Eu vi tudo, o
doutor aí enfiou a taboca na orelha do motora...
- Enfiou, não,
tentou...
- Onde já se viu um
médico...
******
Cinco horas depois. A calma de volta ao plantão.
- Ôoooo, Denilson... Vai
buscar o tal médico que enfiou o pé no peito da testemunha.
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