Jota Efegê
O mestre-sala, antes denominado baliza, era uma das figuras de destaque nos ranchos. E continua sendo. As embaixadas, os grupos de sambistas precedidos de suas baianas no reboleio cadenciado ao ritmo de um conjunto de percussão que, evoluindo, vieram a se designar escolas e, hoje, faustosamente, são a principal atração do Carnaval carioca (salvo melhor análise, talvez a única), não o incluíam em seus cortejos.
A Deixa Falar, tida e havida como primeira escola de samba, só incorporou o personagem do mestre-sala (que foi o Benedecto Trindade) quando tentou se tornar em rancho e fez um único e decepcionante desfile.
Numa reportagem publicada n'O Globo, em 21 de maio de 1973, quando da morte de Maçu (Marcelino José Claudino), que havia acontecido a oito do mesmo mês, no depoimento exato, preciso do Cartola, do Carlos Cachaça e outros iniciadores da Escola de Samba Estação Primeira, do Morro da Mangueira, foi afirmado ter sido ele, o velho Maçu, quem introduziu o mestre-sala nas escolas de samba e quem também primeiro o figurou. Aprendeu com o famoso Hilário Jovio Ferrreira (Lalau de Ouro), Getúli Marinho (Amor), Maria Adamastor, Theodoro (Massada) e outros, todos peritos na coreografia com que esbanjando elegância em filigranas e arabescos conduzem a porta-estandarte carregando seu pequeno e delicado estandarte.
Personagem que nos ranchos sempre se apresentava elegantemente trajada como figura destacada, ou principal, do enredo, calçando sapatos de salto alto, cabeleira empoada e, na mão, um lenço alvo, seguro displicentemente, ou, se preferia, um delicado leque com que abanava graciosamente a porta-bandeira, seu porte, sua linha de fidalguia, sugeria uma figura buscada em qualquer corte, lembrava uma figura palaciana. A sua dança, a evolução coreográfica feitas ao ritmos das bonitas e pomposas marchas que davam cadência ao desfile dos ranchos (Ameno Resedá, Flor do Abacate, Lírio do Amor, Recreio das Flores e seus coirmãos) era sóbria, de finura sempre observada.
Os mestres-salas de agora, os que seguindo a trilha do mangueirense Maçu, o pioneiro, estão ao lado das porta-bandeiras e são vistos em todas as escolas de samba, ainda capricham no vestuário, ainda ostentam vistosas perucas, calçam sapatos delicados, mantém com a melhor observância o personagem que o sempre lembrado Hilário Jovino Ferreira trouxe como figura de destaque dos graciosos ranchos de sua terra, a Bahia, e lançou-os no Carnaval de Sebastianópolis integrando-se em vários deles: A Jardineira, Filha da Jardineira (lembrar “Ó, Jardineira, por que estás tão triste?”...), Ameno Resedá, Reino das Magnólias, Riso Leal, e mais alguns.
Fugiram, porém, da elegante e discreta coreografia que os antigos mestres-salas dos ranchos, os seguidores do estilo do professor Hilário, exibiram ufanosamente nos desfiles da avenida Rio Branco conduzindo suas bonitas porta-estandartes. Nenhum deles, da antiga estirpe (Getúlio Marinho, Theodoro, João Paiva, Olympio, Piraquê, Bull-Dog, João Borodó e Camarão, citados no caso), iam além de desenhos coreográficos. Eram, apenas, passos semelhantes aos de um balé, discretos, mas que na leveza da sua execução provocavam aplausos, arrancavam palmas.
As evoluções acrobáticas de agora, a coreografia desenvolta, espetacular, compromete a elegância do mestre-sala, não é condicionante com o seu vestir. Embora seja aceita nos concursos, nas competições nas quais as escolas de samba disputam prêmios e eles, os mestres-salas, em muitos desses certames são a atração, são o realce, tal coreografia que executam com predominância de lances acrobáticos distanciou-se, e muito, do que mestre Hilário ensinou a seus alunos.
(in Figuras e coisas do Carnaval carioca, Rio deJaneiro: Funarte, 1982, pp 270-272. Publicado originalmente em O Globo, edição de 02 de fevereiro de 1979)
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