sexta-feira, 20 de junho de 2008

Ao Jamelão, os respeitos do Fernando

No sétimo dia da morte do cidadão brasileiro José Bispo Clementino dos Santos, o popular Jamelão


Quando uma figura unânime como Jamelão é convocada para a reunião dos ancestrais, não resta muita coisa para se dizer. Ao contrário do que ressaltou mestre Nei Lopes, não acho que Jamelão teria sido mais reconhecido se seu nome não tivesse tão ligado à história das escolas de samba. É porque o mestre raciocina, como deve ser, pelo lado certo. Quando partem personalidades como Antônio Rago, Canhoto da Paraíba, Darcy da Mangueira, só pra ficar nos recentes, somos nós, as vozes que clamam no deserto, que precisamos assumir nossos pobres púlpitos de caixotes de cebola para nos esgoelarmos em vão pelo que deveria sobrar do Brasil, como memória para a nutrição das gerações vindouras. O incomensurável Jamelão, longe das câmeras globais e das luzes da passarela, seria lembrado com uma notinha de jornal, quando muito, como “o maior intérprete de um certo compositor gaúcho”, como é mesmo o nome? Bem ao contrário, quase tudo já se falou. Falta, como sempre, o que realmente importa.

E o que importa é o reverso do que pretendem os holofotes do xoubiz, que quando miram seus canhões sobre figuras de importância histórica, o fazem segundo a lógica única que conhecem, que é a da mercantilização, da planificação e do rebaixamento de tudo a padrões comerciais. Faltou dizer que Jamelão está entre os nomes que se pode contar nos dedos de uma única mão, a figurar simultaneamente, no círculo máximo dos intérpretes do samba, assim como no olimpo restrito dos mais completos e importantes cantores brasileiros de todos os tempos. Sim, porque escalações certíssimas no primeiro grupo seleto, como Cyro Monteiro, João Nogueira e Jorge Veiga, por exemplo, não apareceriam no segundo. Contrariamente, grandes cantores como Carlos Galhardo e o próprio Francisco Alves teriam dificuldades de serem reconhecidos como sambistas por excelência. Assim, na minha modestíssima, a figura do senhor negro e algo casmurro que desceu ao Orun passados hoje sete dias, fica para a história da música nacional, ao lado de Orlando Silva e Sílvio Caldas, como um dos três maiores cantores brasileiros de todos os tempos. Disse.

Importa ainda – e isso importa demais – dizer que mesmo Jamelão tendo sido tão incensado por quem realmente não tem a menor imporância, JAMAIS se curvou à mentalidadezinha mesquinha daqueles que fizeram por transformar o carnaval das avenidas em um espetáculo para consumo em escalas internacionais. Não gostava de bajulação, de participar de evento, nem de dar entrevista. Sua figura, apesar de tão televisiva e tão popular, não coadunou com os faustões e vìdeoxous da vida. Manteve-se fiel à sua arte e a sua cultura. Nunca negou ser um cantor profissional – mais, aliás: sempre afirmou que só continuava cantando porque precisava ganhar dinheiro para viver. Isso, no entanto, não o impediu de permanecer quase 60 anos fiel à sua escola de fé, bem ao contrário da imensa maioria de seus colegas de ofício. A efígie maiúscula de Jamelão passa para a posteridade, enquanto homem e brasileiro, como exemplo de que profissionalismo não precisa significar venalidade; que popularidade não é sinônimo de vulgarização.

Chega de papo. Peço emprestada a vitrola do meu amigo Felipinho Cereal pra abrir uma exceção e botar pra tocar, aqui no Só dói, na bolacha da vez, o clássico samba-canção de autoria do imenso Lúcio Cardim:


Jamelão - Matriz ou filial


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