Antes havia o entrudo. Era brutal, grosseiro. O Paiz, numa resenha de quarta-feira de cinzas, referente aos festejos carnavalescos de 1885, contra ele se manifestava a 18 de fevereiro condenando-o com veemência. Escrevia, então: “O entrudo, com sua brutal expansão, perturbou ainda a ordem dos folguedos, estragando as roupas mais vistosas e cuidadas e provocando desordens e rixas.” E prosseguia mostrando a violência daquilo a que chamavam divertimento: “Os amadores mais apaixonados não se contentavam com limões de qualquer diâmetro, era aos baldes d’água que brincavam”. Gracejo estúpido, selvagem, pois, como concluía o jornal, “algumas ruas ficaram completamente alagadas com o aguaceiro caído sobre os que por ela tiveram a infelicidade de passar”.
Assim, quando as autoridades atendendo aos reclamos de toda a imprensa e da maioria da população proibiram terminantemente o absurdo recreativo, os aplausos vieram de todos os lados. Surgia também aos poucos, anos depois, um acessório gracioso para animar os festejos de Momo na metrópole carioca: o confetti, grafado com dois tês, na fidelidade que se prestava à sua procedência parisiense. Isto em junho de 1892, quando foi realizado o Carnaval (transferido da época própria devido à febre amarela), e o aparecimento dos papeizinhos multicores foi saudado efusivamente. Logo, os comerciantes, que jamais dormiram no ponto, viram na novidade um meio de aumentar o faturamento. Formaram um trust, ou sindicato, como se dizia quando a pletora de americanismos ainda não vingara em nosso linguajar, para explorar a venda do novo produto carnavalesco.
Monopólio ou sindicato ou trust
Chegado ao Brasil como art nouveau, como o chique da festa carnavalesca e classificado pela imprensa como “inocente brincadeira, muito agradável e elegante”, os comerciantes que o importaram atraíram vultosa freguesia. Alguns o vendiam a 2$000 (dois mil réis) o quilo. Outros cobravam mais e justificavam que seus confetti eram “parisienses genuínos, de variadas cores políticas, sem areia nem salicilato, nem papéis de jornais”. Justificavam com esse esclarecimento o seu preço de 3$000 e ao mesmo tempo deixavam claro que alguns concorrentes adicionavam corpos estranhos ao produto possivelmente não legítimo, não genuíno de Paris. Tudo no ambiente competitivo do meio, caracterizando aquele tempo a hoje tão propalada ‘livre iniciativa’ e quando nem se sonhava com as malsinadas Cofapes, Cecépes, Sunabes e quejandas administrando operações mercantis.
Não satisfeitos com a crescente procura que o artigo tinha, os comerciantes tentavam mais ganho. Surgiu, portanto, no aludido O Paiz, de 21 de junho do citado ano, ao lado de uma notícia de que “diversos grupos pretendem fazer batalhas de confetti, como em Paris e Nice, hoje à tarde, entre as ruas do Ouvidor e Teatro”, nova denúncia. Tinha o título “Não dormem”, e dizia: “Acha-se em vias de formação uma companhia com o capital de 1.000 contos para explorar os confetti no próximo Carnaval. Mil contos!” Isto, porém, não era tudo. O mais grave aparecia em outro suelto, sempre no mesmo matutino e em igual data: “Consta ter sido formado, ontem, um sindicato para comprar todos os confetti parisiense existentes no Rio de Janeiro para aumentar o preço. Se tal acontecer, façam greve os compradores. Olho vivo.” Tinha-se, desse modo, o Carnaval através do gracioso confete propiciando o monopólio, o sindicato ou o agora chamado trust.
Chegado ao Brasil como art nouveau, como o chique da festa carnavalesca e classificado pela imprensa como “inocente brincadeira, muito agradável e elegante”, os comerciantes que o importaram atraíram vultosa freguesia. Alguns o vendiam a 2$000 (dois mil réis) o quilo. Outros cobravam mais e justificavam que seus confetti eram “parisienses genuínos, de variadas cores políticas, sem areia nem salicilato, nem papéis de jornais”. Justificavam com esse esclarecimento o seu preço de 3$000 e ao mesmo tempo deixavam claro que alguns concorrentes adicionavam corpos estranhos ao produto possivelmente não legítimo, não genuíno de Paris. Tudo no ambiente competitivo do meio, caracterizando aquele tempo a hoje tão propalada ‘livre iniciativa’ e quando nem se sonhava com as malsinadas Cofapes, Cecépes, Sunabes e quejandas administrando operações mercantis.
Não satisfeitos com a crescente procura que o artigo tinha, os comerciantes tentavam mais ganho. Surgiu, portanto, no aludido O Paiz, de 21 de junho do citado ano, ao lado de uma notícia de que “diversos grupos pretendem fazer batalhas de confetti, como em Paris e Nice, hoje à tarde, entre as ruas do Ouvidor e Teatro”, nova denúncia. Tinha o título “Não dormem”, e dizia: “Acha-se em vias de formação uma companhia com o capital de 1.000 contos para explorar os confetti no próximo Carnaval. Mil contos!” Isto, porém, não era tudo. O mais grave aparecia em outro suelto, sempre no mesmo matutino e em igual data: “Consta ter sido formado, ontem, um sindicato para comprar todos os confetti parisiense existentes no Rio de Janeiro para aumentar o preço. Se tal acontecer, façam greve os compradores. Olho vivo.” Tinha-se, desse modo, o Carnaval através do gracioso confete propiciando o monopólio, o sindicato ou o agora chamado trust.
Restrição, minguante, sumiço
De grande procura em 1892, quando se assinalou seu aparecimento no Rio ao mesmo tempo que nas cidades européias, o confete, já com a grafia abrasileirada, chega aos nossos dias mas sem o domínio de outrora. Agora ele vem rareando e já não acontece – como nos fala Eneida em sua História do Carnaval carioca - “a rua do Ouvidor e adjacências ficaram, em alguns pontos, como verdadeiras alcatifas de confete de 30 e mais centímetros de espessura”. Os arremessos que antes se faziam fartos, as mãos transbordantes, são agora parcos e caem sobre os alvejados como chuvinha miúda, quase permitindo que se identifique as cores e a quantidade numa conta exatae capaz de não ultrapassar duas ou três dezenas.
De origem discutida, uns dão a Itália como sua procedência e ligam-no ao termo confetto, ao mesmo tempo que consignam a sua invenção a Ettore Fenderls, falecido em novembro último na cidade de Vittorio Venetto, na Itália, com 104 anos. Outros a contestam e apontam o comerciante francês Le Malin Cassin como o criador da novidade. Há mais a afirmativa de Morales de los Rios reivindicando para a Espanha a procedência e dando-lhe o nome simples e intuitivo de papelillos ao mesmo tempo que surge o abrasileiramento papelinhos ou papeizinhos para uso correntio. O certo é que o confete surgiu no Brasil como parisien, servindo de arma graciosa para batalhas e provocando a gula de comerciantes ávidos de um faturamento abundante. Objetivo que conseguiram unindo-se em um sindicato, ou falando modernamente, formando um trust.
De grande procura em 1892, quando se assinalou seu aparecimento no Rio ao mesmo tempo que nas cidades européias, o confete, já com a grafia abrasileirada, chega aos nossos dias mas sem o domínio de outrora. Agora ele vem rareando e já não acontece – como nos fala Eneida em sua História do Carnaval carioca - “a rua do Ouvidor e adjacências ficaram, em alguns pontos, como verdadeiras alcatifas de confete de 30 e mais centímetros de espessura”. Os arremessos que antes se faziam fartos, as mãos transbordantes, são agora parcos e caem sobre os alvejados como chuvinha miúda, quase permitindo que se identifique as cores e a quantidade numa conta exatae capaz de não ultrapassar duas ou três dezenas.
De origem discutida, uns dão a Itália como sua procedência e ligam-no ao termo confetto, ao mesmo tempo que consignam a sua invenção a Ettore Fenderls, falecido em novembro último na cidade de Vittorio Venetto, na Itália, com 104 anos. Outros a contestam e apontam o comerciante francês Le Malin Cassin como o criador da novidade. Há mais a afirmativa de Morales de los Rios reivindicando para a Espanha a procedência e dando-lhe o nome simples e intuitivo de papelillos ao mesmo tempo que surge o abrasileiramento papelinhos ou papeizinhos para uso correntio. O certo é que o confete surgiu no Brasil como parisien, servindo de arma graciosa para batalhas e provocando a gula de comerciantes ávidos de um faturamento abundante. Objetivo que conseguiram unindo-se em um sindicato, ou falando modernamente, formando um trust.
(in Figuras e coisas do Carnaval carioca, Rio deJaneiro, Funarte, 1982, pp 86-88. Publicado originalmente em O Jornal, edição de 22 de janeiro de 1967)
Bom post! legal resgatar a memória do carnaval!
ResponderExcluirFaltou falar que no início o confete era feito de gesso e não papel (isso mesmo! gesso!).
Grande abraço!
PH
Ola Fernando, tudo bem?
ResponderExcluirMeu nome é Luanda e estou trabalhando na pesquisa para um projeto de documentário sobre a Vila Romana para um edital da prefeitura. Fazendo apesuisa sobre o bairro encontrei com o seu blogge gostaria de marcar para conversar com vc sobre o projeto.
Gostaei muito dos seus textos sbre o bairro e acredito qu o ultimo documentário que fizemos vc vai gostar muito. Trata da ytransformação da paisagem urbana da cidade, se cham historias de morar e demoliçoes e uma das familas é da Vila Romana.
este é o meu email
luandab@gmail.com
Por favor, entre em contato!
abraço
Luanda
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ResponderExcluirCento e tantos anos depois, hoje os trusts comercializam almas. A alma do Carnaval, a alma da Cultura Popular, a alma até do Futebol.
ResponderExcluirNego avisou, ninguém escutou. Triste processo. Ninguém, no entanto, me convence que a gente deva parar de lutar pela alma.