terça-feira, 24 de abril de 2007

Semana Otto Lara Resende


No próximo dia 1º de maio, completam-se oitenta e cinco anos do nascimento desse gigante brasileiro chamado Otto Lara Resende. Esta página dedica-se modestamente, desde sua sabida pequenez, de hoje até a próxima terça-feira, a celebrar sua memória, sua obra, sua significação e seu legado. Palavras melhores e mais autorizadas que as minhas ocuparão a coluna nos próximos dias. De toda sorte, achei não ser de todo má a idéia de um breve intróito, a despeito da ingratidão da tarefa: escrever sobre quem, talvez acima de qualquer outro, tenha cultivado, mais que um zelo, um verdadeiro pudor no trato da palavra escrita.

Não penso ser o caso, exatamente, de uma apresentação. O escritor é uma reminiscência ainda bem presente nos meios leitores, embora tenda a esvanecer-se para as gerações posteriores à minha, que não desfrutaram o privilégio de conviver com a sua presença de jornalista, viva, atuante. Porque se o personagem Otto Lara Resende foi, já nas minhas primeiras leituras, absolutamente presente, íntimo, corriqueiro até, o encontro com seu texto veio bem mais tarde, através de sua coluna diária naquele gracioso ano e meio, talvez, de sua passagem pela Folha de S. Paulo. Parece-me, en passant, que o único acerto, com “A” maiúsculo, do jornal nestes vinte e sete anos que o venho lendo resignadamente, de má-vontade. Mas não era assim naquele 1991, 1992. Como em nenhuma ocasião mais, eu ansiava pelo diário a cada manhã, acordava mais cedo no domingo; despistava, como criança, lendo as outras colunas, só para aumentar a expectativa; até não ter mais jeito e me botar a sorver as suas palavras que soavam francas, precisas e tamanhamente inspiradas, como jamais pude supor possível numa coluna de jornal.

Coisa, hoje, difícil de explicar; difícil mesmo de acreditar – até para mim! Para mim que aprendi a ler e, sobretudo, aprendi o prazer da leitura através de autores e textos escritos exatamente para jornal: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, o Drummond cronista, o quarteto absoluto dos primeiros números da impagável coleção “Para gostar de ler”; depois Antônio Maria, Manuel Bandeira, Vinícius, João do Rio, Lima Barreto, e todos mais que eu fosse descobrindo dominadores dessa arte magistral de cerzir retalhos de poesia no pano roto da vida cotidiana estampada nos jornais. Mas desses todos não pude, com poucas exceções, saborear o texto vivo, quente, pulsante, que é o encantamento mais próprio da crônica. Otto Lara mesmo tenha talvez dado a melhor definição do fenômeno, ao comparar o texto de jornal a uma estação ferroviária, após a passagem do trem: sem nenhum interesse mais. É certo, contudo, que muitíssima literatura sobrevive nas crônicas de um Braga ou de um Barreto, setenta, noventa anos após terem sido escritas, de maneira que não se possa efetivamente falar em desinteresse: antes, talvez, a melancolia de quem olha uma estrela sabendo-a não mais ali há tantos milhares de anos...

Pode soar exagerado, mas havia um poder oculto naquelas pouquíssimas linhas diárias, capazes de criar uma dependência que desenvolvi à semelhança do que já confessou a mana Mariana Blanc em relação aos bons tempos de Luís Fernando Veríssimo no Globo. Descontada, pois, a habitual boutade do mestre, a atualidade, o “frescor” dos textos diariamente desovados, podem ter jogado a seu favor para explicar a fascinação que exerciam sobre todo um contingente de leitores (e sobretudo leitoras!) já um tanto desacostumados da presença de grandes cronistas, naquele início dos 90, nos periódicos mais destacados. Mas outra explicação ainda, certo mais ousada, me parece arriscável. A pena do grande escritor pode ter, de certa forma, pressentido o caráter quase testamentário daquela última ocupação. E revestida da extraordinária força brotada de um irreproduzível amálgama de sabedoria, competência e urgência finais, aquela derradeira fase possa, conscientemente ou não, ter encenado o epílogo possível à altura do seu espírito e de sua presença incomparáveis.

Tanto mais haveria para se dizer. Mas há quem melhor o faça: com vocês, Otto Lara Resende.

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