E enfim é outono. Quinto dia da nova estação, duas crises alérgicas, como previsto. Porque, curiosamente, mesmo encovado diariamente sob estas catacumbas de concreto, luz artificial, ar artificial – quinhão pessoal das galés a que universalmente fomos sentenciados desde a queda de Adão -, minha fisiologia íntima teima em responder aos apelos da natureza.
Por mais que eu tenha que correr desesperado à porta quando alguém grita “olha a chuva!!” - e que, mais!, se ali chegando, tanto ainda meu coração se apequene, restantes no chão não mais que meia dúzia de pocinhas, espelhos da minha mágoa, tonitruando a voz de um diabólico marcante de uma quadrilha kafkiana: “já passou!!!” - é aí, e de nenhum modo mais, que eu sou verdadeiramente carioca, suburbano, que sou sertanejo e que sou caboclo. Que sou brasileiro! É no meu coração de passarinho, que silencia com a chuva e se põe a semear sob o pálio azul, que se assenta meu pacto inquebrantável com esta Terra, que um dia, oxalá!, me há de matar.
Se o equinócio de outono marca para muitos povos ancestrais o início de um novo ciclo, um novo “ano”, segundo nossos padrões, a Estação, para os paulistanos que ainda têm olhos para ver, é um tempo rigorosamente inadiável. Nesta terra em preto-e-branco (os mais novos, favor consultarem os pais, livros, os arquivos, oráculos ou o diabo-que-os-carregue), em que à sede dos olhos costumam bastar as escalas de cinza, o outono é um período ímpar de luzes e cores. Só em abril e em maio se pode ver o céu verdadeiramente azul; só as suas manhãs possuem aquela luminosidade lânguida que remete a passeios distendidos de pés úmidos de relvas e folhas caídas: croch...
E de repente, não mais que de repente, acorda-se numa manhã e a Mão alteada, severa e respeitável, grita um “basta!” à claridade desnecessária, agressiva do verão. As torrentes avassaladoras de março parecem estancadas a um comando superior. E em honra à esperada temperança, os anjos saíram a lustrar os prédios e as árvores, os carros e os jardins, que generosamente respondem com um brilho renovado, fresco, ainda que sóbrio. E é assim que, súbito, nos vemos despojados das nossas premências de fazer e providenciar e resolver. Toda vaidade, toda prepotência parecem momentaneamente respeitosas de uma outra ordem, mais serena, mais composta, menos opressiva. E o telefone pode tocar, impune, enquanto adivinhamos as tentativas impressionistas dos raios de sol no pé de pitanga em frente.
Ora, como sempre, direis que envelheço, que a primavera é das crianças e o verão é dos jovens. Mas se o inverno, sabidamente, é de ninguém, e porque não estou em Copacabana nem na Aldeia Campista; porque não posso apanhar um ônibus para o Ver-o-Peso, me debruçar sobre a Baía, nem subir as dunas adivinhando a cor do mar, mais do que nunca faz-se mister, senhores, que se adiem as urgências, que se desmarquem os compromissos, que se alivie a agenda. É preciso parar para reencontrar a decaída intimidade com o instante; para desatrofiar os olhos e – ai! - o coração.
Fernandão, acho que o paulistano gosta mesmo do outono porque é quando se trabalha melhor hahahahahahahahhaha...
ResponderExcluirEu, como bom apreciador do ócio produtivo, prefiro aquele calorzinho preguiçoso do verão. Trabalhar no verão é crime inafiançável.
Mas que o céu é terrivelmente belo no outuno, ah, isso é!
Abraços!
Você é jovem, meu caro...
ResponderExcluir"Ó céus de Porto Alegre como farei para levar-vos pro céu?" Seu texto, muito bonito, me levou a esse poema. Aqui no Rio os dias de outono são igualmente lindos. Um abraço.
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