quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Pra contrariar o chefe, K. Veirinha fundou o Bola Preta

Jota Efegê



Nas proximidades do carnaval que, naquela época (1918), começava a ferver desde outubro nos festejos da Penha, o folião K. Veirinha erguendo seu copo de chope resolveu desafiar o chefe de polícia: "Vamos formar um cordão!" E, mostrando sua disposição de luta contra a autoridade, concluiu: "Ele disse que vai fechar todos os cordões, mas o nosso ele não fecha! O nosso é de bola preta!" Toda a turma, já com duas ou três altas pilhas de cartões na mesa, topou a parada e resoluta, pondo em alvoroço o Bar Nacional, da famosa Galeria Cruzeiro, prorrompeu em vivas seguidos.

Nascia, desse modo, em meio de uma reunião boemia, que acontecia normalmente, todas as tardes, o já hoje tradicional Cordão da Bola Preta, conhecido em todo o Brasil e também no estrangeiro. Ficava, igualmente, consagrado como folião, pois que já o era desde rapazola, o Álvaro Gomes de Oliveira, conhecido no Clube dos Democráticos como Trinca Espinha, apelido mais tarde substituído pelo de K. Veirinha.


À guisa de biografia


Antigamente, todos os associados de destaque dos grêmios carnavalescos adquiriam um pseudônimo sempre precedido de aristocrático lord. Assim, Álvaro de Oliveira que, ainda garoto, de menor idade, conseguiu ser sócio dos Democráticos quando o alvi-negro tinah sede no Largo do Machado, ganhou sua alcunha. Deram-na, mais tarde, já na Rua do Hospício (hoje Buenos Aires), para onde o clube se transferiu, uma bem divertida: Lord Trinca Espinha. Continuou com ele da Rua dos Andradas e também na do Passeio, locais onde os valorosos 'carapicus' estiveram instalados.

Só em 1918, depois da terrível epidemia de 'influenza espanhola', da qual, conseguindo escapar, ficou, no entanto, bastante magro, esquelético, perdeu sua antonomásia. Um amigo, vendo-o em tal estado exclamou: "Puxa, você parece uma caveira". À tarde, na costumeira chopada do Bar Nacional, a turma homologou definitivamente o apelido: "Viva o K. Veirinha!" Nunca mais se deixou de chamá-lo por esse diminutivo ou de completar seu verdadeiro nome com ele: "o Álvaro K. Veirinha".


K. Veirinha enfrenta o chefe Leal


Carnavalesco de quatro costados, integrante de um grupo do qual faziam parte, entre outros, os irmãos Oliveira Roxo (Jair, Jorge, Joel), Chico Brício, Archimedes Guimarães (Fala Baixo), Álvaro de Oliveira era desassobrado. Ao ler nos jornais uma portaria do chefe de polícia, Dr. Aurelino Leal, achou o momento propício para mostrar sua coragem. Rigorosa, ameaçadora, a publicação dizia: "Os grupos e cordões que perturbarem a ordem públcia terão suas licenças cassadas, sendo os perturbadores presos e processados, na forma da lei". Proibia, ainda, mais adiante, de maneira igualmente decisiva, a fundação de grupos similares.

Longe de se amedrontar e disposto a topar uma parada com o "chefão" temido, o grupo das alegres reuniões chopísticas de um dos bares da galeria Cruzeiro seguiu coeso o líder K. Veirinha. Iriam, todos, desobedecer o mandachuva. Alugaram a sede do Clube dos Políticos, na Rua do Passeio, e na noite de 31 de dezembro de 1918, com um "maixético e rebolativo baile" (como era de praxe qualificar as festas dançantes carnavalescas) consumavam a deliberação. Iniciava, assim, o hoje famosíssimo Cordão da Bola Preta e sua brilhante e vitoriosa trajetória.


Tradição da Bola Preta

O sucesso da noitada de nascimento do Cordão da Bola Preta, com o salão apinhado e a fachada do clube feericamente iluminada, abriu-lhe caminho fácil nos meios carnavalescos. Seus iniciadores (K. Veirinha, Chico Brício, Vaselina, Pato Rebolão, Fala Baixo, Porrete e outros) pederam levar à frente o folionico grêmio sempre com seus bailes excessivamente concorridos. Sem instalação definitiva, realizando seus fandangos na Rua 13 de Maio, no Palace clube, na Cinelândia, num salão do antigo Liceu de Artes e Ofícios, acabou, por fim, rico e poderoso, com a sede própria que ora possui. [*]

Álvaro de Oliveira viu, desse modo, triunfar sua iniciativa ao mesmo tempo que se firmava uma tradição levando o nome do cordão até ‘as estranjas’ como fator preponderante do fascínio do nosso Carnaval. Os turistas que aqui chegam para conhecer o nosso famoso tríduo de Momo desembarcam na Praça Mauá ou no Galeão perguntando pelo baile do Teatro Municipal e também pelo do ‘Bôle Preete". Coisa que, inegavelmente, apesar do seu feitio boêmio, desprendido, envaidece o K. Veirinha, fundador e sócio número um, benemérito, na prestigiosa agremiação.


Saudosista, mas não muito

Afastado das homéricas "farras" dos áureos tempos em que o Carnaval carioca conseguia dividir durante o ano inteiro a cidade em três facções: ‘baetas’, ‘gatos’ e ‘carapicus’, Álvaro de Oliveira é agora um homem tranqüilo. O folião K. Veirinha hoje é apensa um assistente da festa de Momo. Às vezes, matando saudades, aparece no cordão e vê seus sócios vibrando, entoando o hino feito pelo maestro Vicente Paiva e Nelson Barbosa para empolgar a moçada: "Quem não chora não mama, segura, meu bem, a chupeta. Lugar quente é na cama ou, então, no Bola Preta".

Recorda, vendo a animação reinantes bons tempos. Lamenta não encontrar ali a ‘velha turma’, em grande parte desaparecida, ou, como ele, fora da ‘linha de fogo’. Orgulha-se, porém, de ver seu cordão vibrante, nascido de uma rebeldia momentânea, resultado da desobediência ao ‘chefão’, abrilhantando de maneira decisiva a maior festa da Cariocolândia. Caminhando para o meio século de existência o Cordão da Bola Preta, sólido e vitorioso, faz também (reconhece ele feliz e exultante), a consagração de seu apelido: K. Veirinha.


(in Figuras e coisas do Carnaval carioca, Rio deJaneiro, Funarte, 1982, pp 18-20.Publicado originalmente em O Jornal, edição de 27 de janeiro de 1963.)

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[*] Atualmente, a sede do glorioso Cordão da Bola Preta, onde tantas vezes sambei "até o sol raiar", está penhorada judicialmente e já foi levada a leilão algumas vezes sem sucesso, por dívidas de condomínio e IPTU. O poder público, como sempre, inimigo do povo. O Bola tem hoje só cerca de setenta sócios, contra mais de mil há quinze anos atrás. Que tal uma campanha de associação em massa? O que me dizes, Edu Goldenberg? O que me dizes, Paulo Eduardo Neves? O que me dizes, Luis Antonio Simas? Vamos encarar? Se cada uma das 200 mil pessoas que segue o Cordão no sábado de carnaval doasse R$ 10,00, a dívida estaria paga!

7 comentários:

  1. Vais ganhar outro link:-)

    Vi no O Globo de ontem que a sede do Bola foi comprada em leilão pelo próprio condomínio do prédio por R$150.000,00. O Bola está com dívidas de R$650.000,00:-(

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  2. Pois é, não consegui checar essa notícia. Se for verdade, é uma das coisas mais lamentáveis e estarrecedoras que se pode ter notícia no âmbito da resistência cultural no Rio. Não entra na minha cabeça como uma insituição como o Bola não consegue arrecadar R$ 150.000,00! E a campanha, vamos encarar?

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  3. Szegeri, estou na Folha Seca e, posso te adiantar, a cidade respira emocionada o carnaval. O Rio pulsa de uma maneira, meu velho, que me entusiasma demais. Não encontrei hoje, entre alunos, taxistas e garçons, NINGUÉM que não vá ao Bola amanhã.Nossa cidade, tua e minha, pulsa a expectativa dos sopros do Bola.
    Amanhã mesmo faremos intensa propaganda da tua idéia.
    O Rio vive, mestre...o Rio vive!
    Goldenberg, Fraga, Digão, Bruno, Dani e a fauna toda da Ouvidor te mandam beijos, confetes e mil marchinhas.
    Salve o Rio! Salve Momo! Salve o Carnaval!

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  4. Szegeri, meu irmão... A Beth Carvalho está escrevendo com pseudônimo no Sodói?

    Fefê está a caminho da livraria...

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  5. Curioso, comentei isso com o Simas no sábado: se cada um desse R$ 1,00, o clube já daria uma respirada...

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