quarta-feira, 12 de julho de 2006

De brasileiros e jornalistas

ou Entendendo os amigos do Zé Sérgio V


"Na minha infância, havia primeiro o Correio da Manhã, um jornalaço. E havia A Noite, que vendia muito mais. E era um jornal muito mais amado pelo leitor. A Noite era um jornal amado. O sujeito comprava A Noite disposto a ler ou disposto a não ler. Não fazia mal isto. Ler ou não ler era um detalhe insignificante. Mas o povo gostava desse jornal. E esse antigo jornalismo permitia, por exemplo, que você fosse fazer a cobertura de um incêndio e levasse na mão uma casa de pássaro, uma gaiola e metesse a gaiola com um pássaro lá num certo ponto da casa em chamas. E aí o repórter que não era idiota da objetividade dizia que o nosso querido fotógrafo ouviu toda a cantoria do canário. E terminava dizendo: 'Morreu cantando' . O repórter fora cobrir um incêndio. Mas o fogo não matara ninguém. E a mediocridade do sinistro irritara o repórter. Tratou de inventar um passarinho: enquanto o pardieiro era lambido, o pássaro cantava, cantava. Só parou de cantar para morrer.

A história desse canário fez um sucesso tremendo. Um sujeito queria uma vala especial para o canário, o nosso querido canário cantor. Era lindo. O jornalismo de antigamente era mais ou menos assim. Hoje, a reportagem de polícia está mais árida do que uma paisagem lunar. Lemos jornais dominados pelos idiotas da objetividade. A geração criadora de passarinhos parou em Castelar de Carvalho, o autor dessa reportagem sobre o incêndio. Eis o drama: o passarinho foi substituído pela veracidade que, como se sabe, canta muito menos. Daí porque a maioria foge para a televisão. A novela dá de comer à nossa fome de mentira.

O idiota da objetividade é o jornalista que tem grande fama, todo mundo, quando fala dele, muda de flexão. Mas eu acho o idiota da objetividade um fracasso. Isso num julgamento absoluto. O idiota da objetividade é também um cretino fundamental.

O brasileiro é um tipo gozadíssimo. O diabo é que o brasileiro não pode se esforçar muito porque, senão, cai na chanchada trágica. O brasileiro é um sujeito que gosta de fazer farra, é um desses que, em pleno velório, põe a mão na viúva. E a viúva é também um caso sério porque este negócio de viúva vocacional é um fato. Há realmente um repertório sensacional de casos. O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro. Houve um tempo em que nem o Departamento de Pesquisa do "Jornal do Brasil" sabia quem era o brasileiro.Mas se um sujeito se apresentava como brasileiro, as pessoas de bem respondiam: 'Não te conheço!'. E muitos duvidavam que o Pão de Açúcar ou o poente do Leblon fossem brasileiros.

O remédio para isso? Nunca. Para isso não há remédio. Veja que o Brasil ganhou três vezes o campeonato mundial. Se ganhou três vezes, e se o brasileiro não fosse o otário que é, estava tudo salvo, tudo salvo. Ganhou três vezes no futebol, feito como esse ninguém teve e não se conhece isso. O brasileiro tem virtudes. É bom fazer uma ressalva nesses defeitos que digo. Diz o nosso João Saldanha : 'O Brasil fez seu jogo,jogo brasileiro'. Vocês entendem ? Não há mistério. O brasileiro é assim. Quando um de nós se esquece da própria identidade, ganha de qualquer um.

Diga-se de passagem que eu considero o brasileiro o maior sujeito do mundo. O europeu já está esgotado. O europeu tem na casa dele pires de mil anos. Escadas de mil anos. Tudo é velho pra burro. [...] Como se não bastasse a padronização de caras, corpos, costumes, usos, idéias, valores, há também a estandardização da paisagem. Tudo prodigiosamente igual. É trágica a falta de imaginação da paisagem no país desenvolvido. O desenvolvimento é burro, ao passo que o subdesenvolvimento pode tentar um livre, desesperado, exclusivo projeto de vida."

(Nelson Rodrigues*)

* texto remontado a partir de trechos pinçados da entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto - clique para ler a íntegra)

2 comentários:

  1. Meu Otto, que série, malandro, que série essa!!!!!

    Cada vez fica mais fácil compreender os coleguinhas da Dinda.

    E que texto, esse do Nélson! Que texto, mano!

    De esfregar na cara desses idiotas que escrevem a torto e a direito por aí!

    PS: cadê a Dinda, hein?

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  2. Fernandão, a melhor defesa que alguém já fez do Brasil e do brasileiro foi do João Saldanha:

    Certa vez um repórter - alemão, se não me abandona a escassa memória - perguntou pro Saldanha sobre a morte de índios no Brasil.

    A resposta, de bate pronto: "em 469 de história, matamos menos que vocês, em dez minutos de câmara de gás".

    Isso é Brasil!!!

    Abraço,

    Borgonovi

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