quinta-feira, 8 de junho de 2006

Copa de qual mundo?

Chega uma hora que não dá mesmo para fugir do assunto. Não que evite ou não goste, pelo contrário: outros os tempos, e noventa dias antes a pauta ordinária do bar do Tião estaria travada por especulações, expectativas e indignações, que afinal de contas palpite todo mundo pode e quer dar, na arena livre e um tanto surreal que é o butiquim. É que a pseudo-civilização-do-oba-oba-total parece transformar tudo em excesso e náusea. Mas vá lá!

Li outro dia que o pior cego é aquele que quer ver; em compensação, aprendi também que contra fatos há – e como há! – argumentos. Só não vê quem não quer, e argumente quem discordar, que o futebol não é mais o que era nas nossas vidas – nem vem, que as acusações de avanço etário pronunciado não são suficientes para contrariar a implacável observação. Mudamos nós, ou mudou a Copa? Provavelmente ambos, mas acima de qualquer coisa, mudou o mundo.

Porque hoje, meus amigos, nem que queiramos muito, poderemos levar a termo como d’antanho uma discussão minimamente verossímil sobre se a presença do Roque Júnior seria preferível à do Cris. Ou se acertaram (nem digo mais "se o Parreira acertou", envidente o anacronismo da personificação) em levar um garoto como o Fred. É claro que o envolvimento pessoal que tende a diminuir ao longo da vida ajuda a não ter, pessoalmente, a menor idéia de onde joga ou jogou um dia, no Brasil, o rapaz, quanto mais condições de opinar sobre as qualidades de seu futebol. Mas sustentar uma posição taxativa, dizer que vê demais o Gilberto Silva jogar e ele está em muito melhor fase que o Cleverson, ninguém vai me dizer, sem provar bem provado, que pode mais do que acompanhar todos os artigos que mundialmente se escreve sobre Nietzsche. Porque para isso, senhores, há que se acompanhar semanalmente, não o campeonato brasileiro e os regionais de maior destaque, como no meu tempo de garoto; nem, como há uns quinze anos, o certame espanhol e o italiano. Hoje em dia, pra escalar uma seleção brasileira com propriedade, com conhecimento de causa, nem que o caboclo assine o pacote super master special gold vip power plus platinum sport da tv a cabo, pra ver o campeonato inglês, o alemão, francês, português, holandês, russo, grego, turco, japonês, a UEFA...

A Copa do Mundo, em termos esportivos, era o momento de se confrontarem as diferentes escolas de futebol, de se testar o verdadeiro valor de um craque fora do contexto de seus cotidianos conterrâneos adversários. Como se pode falar em escola de futebol quando um jogador argentino joga num time ucraniano, treinado por um técnico holandês? Entre os craques das mais variadas nacionalidades, o confronto é, por excelência, o seu cotidiano; na Copa parece só haver uma nova repartição das equipes, como na pelada de rua, quando um time acabou ficando, na hora de escolher, muito mais forte que os outros. A seleção brasileira é de antemão a campeã, muito menos em função de ter conquistado o último mundial, do que por serem os seus jogadores, isoladamente, peças fundamentais no sucesso particular de seus clubes do momento. E assim continuará sendo, ganhe ou não o Brasil a Copa, enquanto brilharem em seus times o Kaká, o Ronaldinho, o Adriano. A mais badalada competição esportiva mundial mantém, no limiar do século XXI, um modelo baseado na divisão nacional que nem bem no século passado foi pacífico, está em processo franco de perda de importância relativa em muitos domínios e que, particularmente no futebol, já desapareceu por completo. Prova disso são os príncipes etíopes de rancho envergando a nobre camisa da seleção... nipônica!

Futebol é muito mais que um confronto esportivo, ora dirá com sabedoria meu amigo poeta Edson Coelho de Oliveira. O último lampejo épico, observaria a doce Ju Amaral, em meio a uma história cada vez mais fragmentada, a uma vida crescentemente descontínua, das quais estamos sempre e cada vez mais alienados. Talvez por isso, minha casa já esteja enfeitada de bandeirinhas auri-verdes, já tenha chamado os amigos pra ver o jogo e mudado o horário no trabalho. Talvez seja mesmo a hora de ressuscitar os afogados sentimentos, de vestirmos as antigas fantasias amarelas e gritarmos o grito único que, a despeito de poder não fazer mais sentido, seja o único capaz de ainda carregar nossa esperança: BRASIL!!!

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