quarta-feira, 31 de maio de 2006




Como não tenho palavras para exprimir à altura a grandeza e a importância do inigualável gênio, peço licença ao meu amigo Luís Filipe de Lima, de cuja autoridade indiscutível me socorro, para reproduzir abaixo texto de sua autoria em homenagem a essa incomparável figura da música brasileira. Tristíssimamente, ao ler troquem "hoje é aniversário" por "hoje não está mais entre nós". Mas o "VIVA DINO!" ressoará para sempre.







Pai de todos

Luís Filipe de Lima


Hoje é aniversário do grande mestre do violão de sete cordas: Horondino José da Silva, o Dino. Ele completa 87 anos bem vividos e, de quebra, 70 anos de carreira. Foi o homem que mais desenvolveu e divulgou a arte do sete cordas brasileiro, surgido no início do século passado. Dino, que começou a tocar violão profissionalmente em 1935, passou para o sete cordas bons anos depois, em 1953, e desde então garantiu ao instrumento, antes cultivado por poucos músicos e quase limitado à condição de curiosidade, lugar definitivo na história da música brasileira. Graças a ele, o violão de sete - e não o violão de seis, o contrabaixo, o trombone ou outro instrumento qualquer - é hoje o baixo cantante por excelência das formações instrumentais associadas ao samba e ao choro.

Na esteira de seu talento vieram gerações de discípulos informais, entre os quais é possível lembrar de Raphael Rabello, Luiz Otávio Braga, os irmãos Valdir e Valter Silva, Darly Louzada, Chia, Cloves, Pedrinho Bastos, Rubens, Paulão Sete Cordas, Jorge Simas, Carlinhos Sete Cordas, Sombrinha, Maurício Carrilho, Josimar Carneiro, André Bellieny, Wander Fontana, Marcello Gonçalves, Lucas Porto, Nando Duarte e Tiago Prata, para ficarmos só no Rio de Janeiro. E Rogerinho Caetano, claro, goiano criado em Brasília que se mudou ano passado para cá e que, com pouco mais de vinte anos, é uma das grandes revelações do instrumento. Pois não há sete-cordas que não tenha se emocionado ao escutar Dino, que não tenha ouvido algumas de suas centenas e centenas de gravações para ficar "tirando os baixos", imitando suas inflexões, sua pegada, seu vocabulário de frases. Que sete-cordas não terá ouvido, de cabo a rabo, os indispensáveis "Vibrações" (RCA-Camden, 1969), com Jacob do Bandolim e o Época de Ouro, e "Cartola" (Marcus Pereira, 1974)?

Muitos tiveram aulas com Dino durante os mais de trinta anos em que lecionou na Casa Oliveira, na rua da Carioca, e no Bandolim de Ouro, na Marechal Floriano. Curiosamente, ele preferia ensinar a iniciantes e quase não dava aula de violão de sete, só de seis. Cheguei a estudar violão de seis com Dino, durante poucos meses, quando já era profissional do sete. Guardo desse tempo as melhores lembranças e histórias que merecem uma penca de posts por aqui. Uma vez eu disse a ele que, se o Brasil fosse sério, criava-se uma lei obrigando todo sete-cordas a depositar 10% de seus cachês na conta do mestre, a título de royalties. Não seria exagero. Dino sobrevive hoje com uma minguadíssima pensão e com a ajuda do filho único Dininho, também músico, grande figura, há anos baixista de Paulinho da Viola. Já aposentado por falta de condições de saúde (não faz mais shows, não grava, não dá mais aulas), o mestre leva uma vida digna em seu apartamento de Vila Isabel, porém igual à da grande multidão de idosos de classe média que precisam se privar de muita coisa para conseguir pagar plano de saúde e remédios. Se não fosse o amparo da família, sua situação seria certamente crítica. Mais uma injustiça contra mais um grande brasileiro.

Mas deixemos as inconformidades de lado, pelo menos por hoje. É dia de dar um abraço no velho. É dia de festejar seus oitenta e sete anos de vida e setenta de música – e que música! É dia de espalhar por aí que Dino 7 Cordas não é um qualquer, que Dino é gênio da raça, é craque da pelota, é o músico acompanhador que mais teve destaque como solista em toda a história da música brasileira, que Dino é assassino profissional, atirador de elite, equilíbrio supremo entre virtuosismo e concisão, pressão e suingue, inventividade e rigor, Dino é umbandista, sim senhor, e se fosse do candomblé bem podia ser devoto de Orumilá, divindade iorubá que é a dona da sabedoria, da adivinhação e das respostas (não é a resposta matéria-prima do sete cordas?), Dino é nossa memória, testemunha dos melhores e piores tempos que os profissionais da música já viveram no Brasil da indústria cultural, Dino é totem e fundador de uma nobilíssima estirpe, Dino é pai de todos os corações que vibram junto com a sétima corda.

Viva Horondino José da Silva! Viva Dino 7 Cordas!


Luís Filipe de Lima, é um dos melhores setecordistas do país, compositor e arranjador competentíssimo; produtor sensível, ousado e incansável; intelectual reflexivo e pesquisador seríssimo das coisas da cultura popular brasileira


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