sexta-feira, 15 de julho de 2005
Espelho
Quero hoje prestar homenagem a uma figura maravilhosa, para mim mais do que querida, a quem eu considero francamente meu segundo pai, talvez ele mesmo não saiba disso. E para que ele e o mundo saibam, vou cravar nestas páginas a partir de hoje e nos dias que seguirem o exemplo dessa personalidade encantadora que me conquistou desde muito cedo.
Foi com ele, inexplicavelmente, que dei início à verdadeira vocação de missivista que só veio decolar depois do advento do imêiou - dado que em mim nada, nem vocação, nem qualidade e nem mesmo paixão é maior do que a preguiça. Pois aos seis, sete anos de idade escrevia cartinhas cá de Sampa àquele tio-avô carioca, cujas fuças só tinha encarado tête-à-tête uma única vez, ainda bem pequeno. E, incrivelmente para mim, ele respondia, criando laços de ternura que se consolidaram verdadeiramente muito mais tarde, quando de braços mais que abertos me recebeu e desvelou o meu Rio de Janeiro que amei desde as idéias inatas.
Cariocaço da antiga, tricolor doente e salgueirense, craque na arte do bate-papo, de uma inteligência luminosa e charme raro. Um sedutor nato, que soube durante a vida agregar à beleza física com que a natureza o presenteou um caráter escultural, de aço mesmo, incapaz da mais remota daquelas pequenas mesquinharias que todos nós escondemos nalgum cantinho da alma, é só procurar direito. De alma carnavalesca, acompanha anualmente, como um peregrino muçulmano, o desfile do Bola Preta, a meca do carnaval carioca, tendo alardeado pela vida que só deixaria de acompanhar o Cordão quando a terra por cima e a tampa do paletó de madeira impedissem (embora ano passado tenha me confidenciado seu pedido de arrego ante as proporções estratosféricas que a coisa tomou, bem diferente daquele 1989, quando me arrastou pra lá pela primeira vez ). Firme nas suas convicções, incorruptível como demonstrará a história que a partir da semana que vem passarei a transcrever, tornou-se para mim um modelo, um espelho daqueles de que falou o nosso bom João Nogueira - e que não se há de quebrar nunca, por certo. Sua lucidez impressionante e seu vigor físico não denotam as oitenta e seis primaveras que completa no dia de hoje, ainda que a saúde tenha-lhe querido impingir alguns revezes recentes. Mas não há de ser nada, meu tio velho, que vais driblando os percalços com aquela tua boa lábia suburbana do Engenho de Dentro, sim senhor, e com o teu andar meio gingado de fazer babar as moçoilas desavisadas, pra desespero da Tia Zeca - que outro dia, aliás, queixou-se a mim, meio chorosa, que esses cinqüenta anos de casamento tinham passado tão rápido...
Embora ele também possivelmente não saiba, devo muito ao meu tio-e-avô, como se auto-denominou depois que meu avô querido, seu irmão, foi cantar seresta ao lado de Orlando e Chico. Devo a opção pela faculdade de direito, porque ainda que não se tenha formado bacharel, o velho é o verdadeiro rábula da antiga: sabedoria, estilo, verve de quem sabe a quem, como e em que momento pedir. Devo minha carreira de funcionário público, para a qual sempre brilhou, juntamente com os seus irmãos, todos servidores, como exemplo maior de retidão e dedicação à coisa pública (isso é um ponto importante, para que entendam a história que passarei a contar). Devo minha devoção ao Rio, passando à prática o que aprendi com vovô na teoria desde que me entendi por gente. Devo algum jeito para tratar as moças, mas sobretudo, o seu fulgurante exemplo de chefe de família exemplar, pai amoroso e marido dedicadíssimo.
É por isso que eu mando daqui um beijo mais que especial ao meu queridíssimo tio Osias Teixeira Nunes. Do Engenho de Dentro e das Laranjeiras, sim senhor. E com vocês, a partir de segunda-feira, e principalmente pra meu irmão Eduardo, a história que envolve o velho Osias e nosso grande Nelson Rodrigues, enredados numa mesma história - verídica! - pelas mãos do cronista Armando Nogueira. Espero que titio não me processe pela violação de direitos autorais, que não sou páreo pro homem nas barras de um tribunal!
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