Noticiários de hoje estampam a fusão entre esse monstrengo tão nacional chamado American Beverage (AmBev) e a cervejaria belga (!) Interbrew. Minha primeira reação foi entre a revolta e a desolação: depois de termos perdido a soberania sobre as telecomunicações, a energia elétrica, a malha ferroviária etc. etc., só nos faltava mesmo é deixar que uns gringos de cintura dura decidam sobre qual cerveja devemos tomar. Porque a despeito das reiteradas negativas, a “Folha de S. Paulo” garante taxativamente que 52% do capital votante (i.e., com poder decisório) da AmBev foi vendido aos europeus.
A própria fusão entre as duas maiores cervejarias brasileiras que criou esse Frankenstein etílico-industrial foi um golpe de morte em um dos pilares da cultura brasileira de butiquim. Há tempos, o butequeiro bebedor de cerveja que não se declarasse “Brahma” ou “Antárctica” seria um ser excluído do mundo, assim como os são-paulinos, botafoguenses, americanos (de Minas) ou tunantes (torcedores da Tuna Luso, pra quem não tem o pezinho no Pará). Sim, porque a dualidade essencial que permeia nossa existência exige que nos posicionemos sobre as realidades fundamentais: ou você é palmeirense, ou corinhthiano; Vasco ou Flamengo; Cruzeiro ou Atlético; Remo ou Paysandu. O resto são seres que gravitam em uma dimensão paralela do universo sem jamais poderem experimentar uma nesgazinha de realidade. Pois o que não se nega não é real (será que Hegel tomava cerveja? Alemão...).
A rivalidade Brahma x Antárctica alimentou, durante anos, infindáveis horas de salutares embates butequísticos sobre as qualidades das louras que dividiram realmente a preferência nacional, no tempo em que violão não era ligado na tomada e fábrica de pandeiro dava lucro, como dizia o saudoso Moraes Sarmento. Quanta sardinha não se fritou, quanto casamento não acabou, quantos fígados e colesteróis não foram pra estratosfera em nome de tema tão fundamental para a identidade nacional. Um belo dia, acordamos e... lept! Tudo estava consumado. Reputações arruinadas, mundos desabados por um mero acordo operacional (pras negas deles...).
A cerveja brasileira é ímpar no mundo, sabidamente. Desde a apresentação em garrafas de 600 ml - as lindamente conhecidas “ampolas” – que só no Brasil tornam o ato de beber cerveja um acontecimento intrinsecamente social (porque tomar uma lata é quase igual punheta: não é que seja ruim, mas é outro barato), até a preferência quase absoluta pelas chamadas “pilsen”, cervejas de baixa fermentação e baixo teor que alguém um dia ganhou dinheiro pra sacar que “descem redondas”. Agora, se um belo dia meia dúzia de altos executivos belgas (meu Deus, eu não me conformo...) acordarem e acharem que nossa Brahma é fraca demais, tudo estará acabado? E se por uma conveniência belga insondável qualquer resolverem tirar do mercado a “Faixa Azul”, meu compadre Moacyr Luz vai beber o quê na vida? As perspectivas são apavorantes!
Mas como a diferença do otimista para o pessimista é mesmo ver o copo meio-cheio ou meio-vazio, um anônimo já soltou hoje, logo cedo, a pérola no butiquim do Severo: “pelo menos agora vai ter Brahma no mundo inteiro; já dá pra gente fazer um pagode nas Oropa”.
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