terça-feira, 20 de janeiro de 2004

São Sebastião

Fernando Szegeri


Eu sei que o meu peito é uma lona armada. Hoje é dia de São Sebastião do Rio de Janeiro. Esta cidade-mulher que aprendi a amar. Primeiro, menino, em sonho, percorrendo nas histórias de meu avô ruas cinqüenta anos paradas no tempo de sua memória, em bondes suburbanos puxados a burro, armando rede embaixo das jaqueiras (pra jaca não se espatifar...); ou em busca de bares e salões há muitíssimo mortos e sepultados, com o colarinho branco da camisa sujo pela fuligem da Maria Fumaça, grudando no suor. Do Engenho de Dentro à Central, quase uma hora de trem, decorando as estações.... E o Largo do Estácio: o lugar mais gostoso da cidade.

Depois, rapaz, nas minhas andanças a esmo, como um desbravador movido pela ânsia de encontrar os lugares que tanto habitei na imaginação. Pegava o "457-Abolição" na Pinheiro Machado e lá ia. Ou o "261 – Marechal Hermes", na Praça XV . "Fazer o quê, menino?" - indignavam-se minhas primas mais velhas - "...vamos para o Baixo"! Eu ia. Mas o menino queria mesmo era ir de trem para a Penha Circular. "Tio, vou passear". "Isso, meu filho, vá à Urca, que é belíssima!". Eu ia. Mas depois ia pro Mangue, pra Jacarepaguá. Aí começaram os conhecidos, alguns amigos, algumas meninas... Tive uma namoradinha no Campinho, outra no Leme ( a Thaís, linda... mudou-se pra Paris e eu chorei). Arrumei uma vez uma em Gramacho, aí titio interveio, não peguei o ita, quer dizer, o trem. E os amigos. No morro de São Carlos (Chico, saudade...), em Pilares. E em Santas: Tereza e Cruz. E o Largo do Estácio: o lugar mais inexistentemente triste da cidade, então engolido pelo metrô.

Mais tarde, homem, adotado pela generosidade desses irmãos de música e de cidade, presenteado com o privilégio de desfrutar a companhia de ícones-bastiões desse jeito de ser e estar no mundo, que teima em não se acabrunhar, esquivando-se de balas perdidas, a despeito da pouca nobreza de seus Condes e Césares; preservando esse Rio talhado pelo cinzel da história e da geografia para palco de encontros alhures impossíveis. E o Largo do Estácio exibindo sua fria pseudo-modernidade impessoal.

No teu aniversário, oh Sebastião, de presente eu te dou um comitê central, um Conselho Superior da Carioquice, nos conformes, com sede, presidente, estatuto e reunião mensal, incumbido de preservar para sempre, na jurisdição do meu coração, o encanto de andar por tuas ruas de alma sonora. Estará acima de todas as autoridades nas matérias de sua competência: promover os encontros das raças, das classes e das gerações, dos quais brota essa cultura única, mestiça, gingada; denunciar as violências ao jeito carioca de ser e os bolinhos de bacalhau fajutos; expulsar os babacas, os chatos e os chama-chuvas; zelar pela preservação do bom humor, da galhofa e do jeitinho das cariocas andarem; cuidar para que haja sempre chope muito gelado e poucos dias nublados; e excluir da cidade, oficialmente, a Barra da Tijuca.

Minha chapa: Nei Lopes, Tio Osias, Aldir Blanc, Didu Nogueira, Baiano, Eduardo Goldenberg, Bia Alves, Fernando Toledo, Paulo Neves, Beth Carvalho, Alfredinho Bip-Bip, Augusto Diniz, Simone Boca de Lata, Edson Coelho, Luis Pimentel, Jorge Simas, Tia Surica. Cariocas de muitos cantos do mundo. Meu presidente: Moacyr Luz. Que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar.

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