segunda-feira, 10 de maio de 2004

Poyares e Paulinho

Poyares

Nem uma mísera nota. A não ser, evidentemente, na onipresente Agenda do Samba & Choro. Não sei o que dói mais...

Carlos Poyares nos deixou na semana passada. O maior chorão que eu conheci. Um de seus números clássicos: nas rodas de seresta, quando sua função “adjetiva” era solar algumas introduções e as primeiras partes “no retorno”, ficava batendo papo animadamente enquanto o cantor se esgüelava; na hora de entrar, levantava da mesa do bate-papo, já com a flauta em punho, sem perguntar tom nem nada. Exemplo de seu ouvido treinadíssimo e da malandragem adquirida em tantos e tantos anos de butiquins e quintais. Era um flautista exímio, um virtuose de impressionar músicos europeus das mais importantes orquestras do mundo. Mas sua música, assim como sua postura, transpareciam esse espírito popular no melhor sentido.

E é justamente por isso que o considero o maior chorão que eu conheci. Ninguém como ele encarnava mais esse espírito vagabundo, malandro e algo amador (no bom sentido) que hoje parece tão distante dos círculos de choro, povoados pelos bem nascidos jovens formados nos conservatórios e faculdades de música. Esse espírito que tanto dominou os ambientes onde o choro particularmente se desenvolveu na passagem do século XIX para o XX.

Nosso maior momento de convivência foi numa certa noitada de muito papo e muita birita (dois terrenos em que ele jogava como craque), onde ele nos brindou com suas histórias divertidíssimas com os maiores nomes da música popular brasileira (não é todo mundo que sabe que ele ia para o Rio, na década de 50, e passava dias e dias na casa de Pixinguinha, bebendo – muito – e tocando – imaginem o quanto...). Perguntado sobre Altamiro, ele não titubeou: “em termos de habilidade e musicalidade, ele é um monstro; mas lhe falta a alma do butiquim , que é a alma do choro. E essa eu tenho de sobra!”

Ficam para os que o conheceram, as boas lembranças, as histórias, seus inúmeros discos, a fita com ele tocando a flautinha de lata. Para mim, particularmente, a enorme honra de ter sido por ele acompanhado em tantas andanças vagabundas pelas noitadass de muita música e cachaça.


Paulinho

E foi-se também o nosso bom Paulinho Soares. De repente, como os bons malandros merecem. Parece mesmo que às vezes alguém lá de cima resolve botar o serviço em dia. E dá-lhe rapa! Em algumas semanas, foram Joel Teixeira, o Poyares e o Paulinho.

Este eu conheci pouco e muito. Pouco porque infelizmente foram menos freqüentes que eu gostaria as oportunidades de sentarmos juntos pra biritar e papear, artes a mim tão caras em que ele se mostrava um mestre. Muito, porque era uma das figuras que mais eu encontrava nos ambientes e ocasiões propícios a boa música e boa conversa. Um craque da carioquice, gozador, galhofeiro, conversador e rápido no gatilho como poucos.

E que bom compositor. Entre seus muitos sambas, gravados e inéditos, uma pérola gravada por Beth Carvalho que resumia muito do espírito malandro e gozador do sambista em geral e dele em particular: “morreu, o nosso amor morreu/ mas, cá pra nós, antes ele do que eu”.

Um beijo, malandro, onde você estiver. Obrigado pelo carinho de sempre. A gente se esbarra.

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