Para quem, como eu, não tem a felicidade de morar no Norte, junho é uma espécie de oásis no deserto que se estende desde a quarta-feira de cinzas até as primeiras vésperas do Natal. Realmente, pra quem é da festa, como o brasileiro, o entre dezembro e fevereiro é um grande desfile de descompromissos, as fatiotas de festas remendadas por retalhos de noites quentes de cerveja e madrugadas. Mas se o resto do ano não consegue ombrear-se em matéria de viver a vida como a gente mais gosta, a grata exceção fica mesmo por conta das festas do chamado “ciclo junino”, que não se restringe a junho – há, inclusive, quem garanta que o termo é originário de “joanino”, por força do ápice das comemorações dar-se na festa de São João – começando timidozinho lá no dia de São José (19 de março), passando pelas festas tradicionais de Corpus Christi e do Divino, para culminar na celebração dos três santos mais festejados: Antônio, João e Pedro.
Se é certo que todo o nosso roteiro festivo anual é marcadamente determinado pelo calendário litúrgico católico – e o Carnaval não é exceção, tendo surgido em função dos quarenta dias de continência que antecedem a Páscoa – o espírito brasileiro, gestado no encontro de torrentes culturais tão diversas, tratou logo de extrapolar os sentidos propriamente religiosos e borrar o traço europeizante. Sem precisar rivalizar com as missas e procissões, o povo logo tratou de fazer a coisa ficar mais animada e foi inventando os bois-bumbás, as congadas, os moçambiques, as quermesses e tudo o mais que fosse de brincar e dançar e cantar e comer e beber. E assim, de norte a sul da nação, a festa de São João, ponto máximo de todo o ciclo festivo, foi se sedimentando como a maior festa popular brasileira.
Ora já ouço daqui os discordantes, empunhando a bandeira do Carnaval. Por certo, haverá nesse um interesse suplementar, em vista do que concerne ao espírito de catarse coletiva e inversões simbólicas de que tanto já se falou. Mas para mim é indubitável que se tomarmos em conta os elementos que fazem uma festa ser tipicamente popular e brasileira, vemos que as louvações aos santos de junho ocupam o primeiro degrau do pódio sentimental instalado no coração tupiniquim. O Carnaval, em verdade, como grande festa de rua, localizou-se por décadas em pólos restritos de grandes cidades como Rio de Janeiro, Recife e Bahia; no mais dos interiores todos, foi sempre mais de salão, ou de um bloquinho aqui ou acolá, para depois instalar-se nos desfiles. Não o São João. Disseminada pelos quatro cantos do país, foi, ao contrário do reinado de Momo, enfraquecida nos grandes centros urbanos, onde tende a manter-se restrita aos ambientes privados, como simples memória folclórica de um sentimento que não está mais vivo. Nos rincões, muito ao contrário, a dança, a comida, o folguedo, o espaço público ocupado ainda são a expressão mais viva da celebração que nega a sucessão indiferenciada dos dia-a-dias, essência maior do que alguém um dia chamou “festa”.
E por dizer tanto do Brasil e de nós é que meu coração banzeia, quando chega São João, de carimbós e bois nortistas, de baiões e sanfonas sertanejas, de quentões e pinhões do Sul, quadrilhas, casamentos, leilões, mastros, bandeiras, pipocas, canjiquinhas, munguzás, foguetórios e balões, muitos balões. O último, vovô começou a fazer, a meu pedido, mas não teve tempo nem forças pra terminar. Esse balão perenemente inacabado é e sempre será o meu coração a vagar, solitário, por imensidões de céus brasileiros, carrregando sonhos e preces, fingido de estrela. Que não se perca por maus ventos. Antes lhe seja dado pousar, apagado, nos braços indulgentes de algum menino.
!Não o São João.
ResponderExcluir!!Esse balão perenemente inacabado é e sempre será o meu coração a vagar, solitário, por imensidões de céus brasileiros, carrregando sonhos e preces, fingido de estrela. Que não se perca por maus ventos. Antes lhe seja dado pousar, apagado, nos braços indulgentes de algum menino.
!!!Meu caro.
A letra vai ainda um pouco hesitante, mas as suas lembranças ficam menos manadas em mim. Disfarçadamente quero dizer que seu texto saiu de uma forma que me trouxe de saudades. A inflamação da gente brasileira que nos acompanha é que não nos deixou de todo, e ainda agora sonhos de um menino, ao qual não sei que nome dê, mas que produz efeito. Um balão dourado, uma estrela, uma noite qualquer de junho. Veja o que são as coisas deste mundo. Entrei com o passado em cidade, aonde outros vêm às festas de junho em cirandas, e apanhei uma musica aqui e ali. Viajei. Imaginei um pouco mais a criança em mim, e cheio de saudades.
Recebi já a parte destas que me pertence, andarilhos compartilhamos, e com ela receba a explicação do meu silêncio carcomidos com suas palavras. Releve-me se não vou mais longe. Vá desculpando estas palavras.
Um abraço mais de um Velho menino
João
Lindo texto, concordo com tudo. FATO!
ResponderExcluirAbraço
Tiro, reverente, o meu chapéu (de palha) para este belíssimo texto! Belíssimo, delicado, brasileiro e sentimental. Como as festanças de São João. PS: O último parágrafo é de antologia.
ResponderExcluirFaço minhas as traçadas pelo Bruno.
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