segunda-feira, 2 de abril de 2007

Sala de espera


Não sabia ao certo por quê, mas era fato que ela o incomodava. Toda semana, naquela mesma hora, repetia-se o roteiro. Na ante-sala, ele esperava a filhinha por toda a duração da sessão.

Mais do que a própria figura, soçobrava-o a ausência aparente de motivo para a inquietação que ela lhe impingia. Uma figura comum, diria. Cordial, até. Teria facilmente a idade de sua mãe e era lampeira, cabelos arrumados, sempre bem maquiada, sem exageros, o batom fazendo-lhe a boca ainda menor do que já era. Uma simples e distinta senhora, desempenhando dignamente uma ocupação socialmente desejável e condizente com a sua condição, pensou.

Que diabos, então? O rádio ligado um tanto acima do esperado, brandia músicas que ele julgava incompatíveis com o ambiente. Não o lixo banal que campeava pelas lojas e tevês – antes isso! - mas a a emepebezinha reles com pretensões de bom gosto e universalidade; nada que o irritasse mais, aliás. Anotou o nome da rádio, ia mandar cartas, fazer protestos, ora se ia. Cantava a Calcanhoto, e ela vagamente parecia cantarolar um refrãozinho, impávida. Por que não lia um ao menos uma revista, meu Deus? Vinha uma do Arnaldo Antunes, e a megera de olhos estatelados, sem esboçar uma mínima reação de aprovação ou desagrado. Zeca Pagodinho, finalmente, e ele implorou aos santos em que não cria um mínimo sinal de vida inteligente.

Mas nada. Pôs-se a discar.

- Alô, Helena? Terezinha... Você soube do Rubens?

Gelou. Logo ele a quem apavoravam os assuntos de doenças.

- Aneurisma. Começou a sentir-se mal pela noitinha... Deve estar sendo operado neste instante.

Doía-lhe a cabeça. Seu falar escorreito soava-lhe como fina tortura, cada palavra uma crueldade caprichada, meticulosa, calculada. O incômodo transmutava-se em desejos de violência. Pensava na filha. Levantou-se afinal, pretextando a si próprio uma vaga vontade de urinar. Rosto lavado, ainda voltava quando ouviu um resto de outra conversa :

- Não vai embora, então, antes da vovó chegar, hein?

“O que mais, meu Deus?”, carcomia-se. Como diabos podia odiar uma velha cujo netinho de bochechas rosadas dali a minutos se atiraria em seus braços cansados: “Vovó...”

Sai a filhinha. Como a sacramentar o veredicto de sua condenação, tasca-lhe um beijo apertado que o despedaçou. Saía atabalhoado, puxando quase a menina, rosnando um cumprimento incompreensível. Não se esquivou a tempo de evitar:

- Até semana... Mesma hora, hein?

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