quinta-feira, 29 de março de 2007
Amores de balcão
Aviso, de antemão, que este texto é para iniciados. E o alerta é, como me foi ensinado, em prol dos incautos. Porque o mistério iniciático não é, como pensa o vulgo, nem recompensa, nem privilégio. É proteção para aqueles que não tem condições de segurar o tranco. Feito o aviso, sigo.
Porque como explicar para um neófito o que representa o butiquim na vida de um cachaceiro de fé? Podemos recorrer às analogias, é claro. Deus Nosso Senhor, por exemplo, quando nos quis demonstrar o quão grande era por nós o seu amor eterno e infinito, deu-nos a conhecê-lo através da maior experiência concreta de amor que o ser mortal pode experimentar. Assim, ensinou-nos a chamá-lo de ... Pai!. E eu só fui entender isso, é claro, quando a primeira criaturinha virou pra mim os olhos pidões de jabuticaba e e balbuciou... “Pá!”
Sejamos, pois, condescendentes com os novatos do pedaço - eis que me veio outro dia a informação (pouco crível, por óbvio) que este espaço seria freqüentado por menores de trinta anos. Vou tentar ser didático. Sabe aquele sentimento que te domina toda vez que você senta pra conversar, ainda que sem a menor chance, com a garota (no feminino por questões práticas, visto que por estas plagas aparece uma mulher a cada ano e meio...) disparadamente mais bonita do colégio? A de que você está no lugar certo, na hora certa e um abraço pro mundo? Sabe também quando aquele teu colega te convida pra assistir o ensaio da banda de garagem que ele montou semana passada, certo do caminho do estrelato? Que o lugar é errado, não importa a hora? Então... Só que, com o tempo, a gente vai experimentando demais a diferença entre o (muito pouco) que é bom pra valer, o que é apenas passável (boa parte) e o oceano imenso de tudo o que realmente merece a lata de lixo da nossa História particular. E vai ficando exigente, mal acostumado e – pior! - com a sensação de que o tempo perdido é cada vez mais precioso.
Passado o intróito necessário, parece oportuno esclarecer que me disponho hoje a falar sobre o assunto que mais gosto e, de verdade mesmo, o único de que minimamente entendo. Butiquim, de novo, por que não? E só pra explicar que butiquim é fase, igual paixão. Você bebe diariamente naquela mesma pocilga, sente que ali é o melhor lugar em que você poderia estar no planeta, livre das aporrinhações do seu chefe, do mau-humor dos motoristas, dos achaques dos políticos e das broncas da dona-da-pensão. O garçom é gente boa, a cerveja é geladaça, o tira-gosto honesto. O português deixa usar o telefone e até, em situações calamitosas, troca cheque. A rapaziada que muito de vez em quando aparece pra tocar um violão só manda brasa. Pô, sair dali pra quê? Só quem só faz usufruir, que freqüenta buteco pra se exibir é que sai de casa em busca de aventura. O pé-redondo profissional, esse é, por excelência, um conservador. Não troca o certo pelo duvidoso nem por uma boa pataca do vil metal. É de uma fidelidade a que mulher nenhuma no mundo ousaria aspirar.
Minha cabeça paulistana já foi do Alemão da Antárctica, do Pena Dourada, do Krystal das Perdizes, do Cardosinho da Monte Alegre, do velho Brahma (pré “reforma”), Bom Motivo, Pé pra Fora, Bar do Bilu, Xodó da Paulita (mais conhecido como Balde) do Bar do Cidão, Ó do Borogodó, tantos outros... Meu coração carioca já foi da espelunca da Praça São Salvador, da Adeguinha Portugália, do finado Carlitos da Cinelândia, de um sem-nome na Rua Barão de Flamengo, do Estephanio's (há os amores platônicos como Paladino, Bar Luiz, Salete, e houve, é claro, paixões de carnaval, como o que contei outro dia num final de Bola Preta, o bar do Zé da Rua do Carmo, uma espelunca inconfessável na Lapa de outros tempos, mas esses fogem ao tema do dia). Ultimamente estava morando na Almirante Gavião, mas confesso que outro banzo tijucano é dono dos meus quereres – inspiração desta crônica - numa rua com nome de revolucionário anti-imperial. O nome da moça, claro, eu não conto.
Porque, meus filhos, assim como nos romances, na vida não há bem que sempre dure. Passado um tempo, aquele jeito dela mexer no cabelo que te deixava maluco, começa a suavemente te irritar. Como aquele jeito do garçom atirar a cerveja e os copos em cima da mesa. Olha, ela nunca tinha te respondido assim. E o jeito com que o português emprestou o telefone da última vez, pra falar a verdade, te deixou meio puto. Gostas dela, é verdade, mas a mãe, rapaz, a mãe não vai mesmo com a tua cara. E o Manuel não mandou embora o Severino da cozinha, só porque ele chegou de fogo no dia seguinte do campeonato do Mengão? Você não acha que a pequena anda, assim, um tanto diferente? A dobradinha, terça passada, não tava a mesma coisa... Ela é bonita, não tenha dúvida, mas você reparou na morena que mudou pro 203? Tomei uma gelada com salaminho ontem ali no Ceará...
Pronto. Teu coração bateu asas, c'est la vie! Uma nova fase se anuncia. Com a diferença de que a gente, sem mulher, afoga as mágoas no buteco. Mas sem bar, não há mulher no mundo que nos console!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Perfeito! Texto definitivo, malandro! Amanhã, no Pé pra Fora, com ou sem Szegeri, beberei. Grande texto, mano!
ResponderExcluirfê... amei... sem mais palavras...
ResponderExcluirsó a saudade...
beijos, tati