quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Haja consciência

Pela primeira vez, neste ano, o novel feriado dedicado ao Dia da Consciência Negra vai ser observado pra valer nesta triste Cidade de São Paulo (a lei é de 2004, já vigorava nos dois anos passados, mas a data então caiu sábado e domingo), como já o é há muitos anos no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras. Mas, como não poderia deixar de ser, nós temos que dar ao episódio a coloração acinzentada que nos é peculiar, a nossa nota tradicional de mesquinhez e pouca identificação com os temas sensíveis para o Brasil.

O que se vê pela cidade é, em primeiro lugar, a crassa ignorância a respeito do feriado. Não me espantarei se os mais desligados aparecerem segunda-feira de paletó e gravata aqui em frente à repartição e demorarem aquela eternidade dos parvos para perceber o que estará acontecendo. Logo em seguida, a incredulidade dos que são informados: "Será mesmo?" Que poderia muito bem ser traduzido, em melhor português brasileiro paulistano: "será possível que alguma autoridade séria desse país decretaria feriado só por causa de um punhado desses crioulos?". À desconfiança segue-se a desaprovação: "Um absurdo! Isso lá é motivo pra feriado? Já trabalham tão pouco! Por isso que este país não vai pra frente!".

Maestro Kiko do Cavaco, o maior sorriso negro do samba brasileiro, ligou-me dia desses, logo de manhãzinha, indignado. Queria saber o número da lei, a data do Diário Oficial, artigo e alínea, que o patrão estava achando que isso tudo era até bacana, mas todo mundo na firma tinha que ir trabalhar, sim senhor, ora essa... A coisa é tão séria, que num país onde judeu dá presente de Natal, que beata da Igreja adora carnaval (pra fazer retiro espiritual, é claro) e que católicos, muçulmanos, umbandistas e budistas, gregos e troianos adoram curtir uma praiazinha prolongada na Sexta-feira Santa, tem gente doidinha pra trabalhar. Só pra não dar o braço a torcer. Afinal, "se a moda pega", como me disse uma indignada e zeloza senhora, "vamos ter o dia da consciência italaina, da consciência japonesa, árabe..."

Só pra se ver como o buraco ainda é muito mais embaixo. Faz tempo que o Velho avisa... Muita água ainda há de rolar até que venha a nossa Grande Noite. A luta está ainda só no começo. E como estamos carecas de saber que nosso direito de exaltar Zumbi não é colher de chá pra matar uma féria, mas conquistado a sangue e lágrimas, como são de resto todos os que hoje nos reconhecem e os que hão de ter de reconhecer, nós vamos fazer a nossa festa. No Ó do Borogodó vai ter samba de bumbo, jongo, congo, partido-alto, comida de santo, política e a benção de Mãe Sandra de Xangô. E logo de tarde, que é pra todo mundo ouvir. Vamos cantar pros Orixás e pros Ancestrais, comer baião-de-dois no dendê com camarão, beber e brincar a valer. Vamos falar de direitos e de política, vamos aprender e ver filme sobre Exu. Que nós temos mesmo é que nos fortalecer. Porque passada a festa, ou nem mesmo isso, a briga é grande e é feia. Mas nós estaremos mais fortes e mais juntos, sim, passada essa próxima segunda-feira, 20 de novembro, dia de Zumbi, saravá! Cada vez mais fortes, sim, até que a Grande Noite venha.

8 comentários:

  1. ô como escreve...
    beijos muitos (ainda sob os eflúvios divinais do nosso rei).

    ResponderExcluir
  2. Ô, até que enfim!

    Saravá, meu mano!

    Estarei no Ó à minha moda, e você sabe do que estou falando...

    Beijo, querido! Seja bem chegado de volta, depois de tanto tempo longe daqui.

    ResponderExcluir
  3. Szegeri, faremos amanhã, aqui no Rio, uma homenagem a Zumbi, que começará na Pedra do Sal e terminará com muito samba no meio da rua, na esquina da Ouvidor com Travessa do Comércio. A Folha Seca, livraria dos amigos do Rio, preparará uma vitrine especial sobre Palmares e os butecos da área estarão abertos.Quem estiver por aqui, é só chegar que a rua é nossa.
    No mais, que se multipliquem as homenagens ao Marechal de Palmares nesse feriado novo por todo o país.
    Abraço

    ResponderExcluir
  4. Szegeri, meu pomposo irmão: conte aí como foi a festança no Ó!

    Beijo.

    ResponderExcluir
  5. Grande Fê! Mais uma vez compareço nesse espaço para endossar em gênero, número e grau, as tuas palavras. Pois se teve gente nesta repartição que, inclusive, esperava a CONFIRMAÇÃO (por ofício ou email, sabe-se-lá) desse feriado, como se feriado fosse necessário confirmação, a gente vê há quantas andam os cabeças desse país (cabeças de bagre). Depois te conto pessoalmente quem foi. Grande Beijo e Parabéns pela frequente lucidez. Beijão.

    ResponderExcluir
  6. Fer, ouso dizer que foi a festa mais bonita do Ó do Borogodó nestes anos todos. Parabéns mais uma vez e obrigada. beijos

    ResponderExcluir
  7. Que festa! Que festa!
    Até no boteco da esquina (Cardeal) acabou a cerveja!
    Fernando, mais uma vez meus parabéns. Tens o dom de comandar uma bela festa.
    Eduardo, malandro... Junto-me a você neste pedido: Fernando, escreva sobre a festança!

    ResponderExcluir
  8. Favela: o Szegeri me abandonou, camarada. Como a um cachorro sarnento. Nem me atende mais o telefone. Tampouco responde aos emails. Ele não irá escrever porra nenhuma. E justamente porque eu pedi. Forte abraço.

    ResponderExcluir