quarta-feira, 22 de março de 2006
De botequins e academias
Fernando Toledo*
Sempre que chego em uma cidade que não conheço, a primeira coisa que faço é correr para um pé-sujo, local onde a verdadeira face da cidade em questão me é sempre revelada. Ficar trancado no hotel ou seguir as recomendações da VEJA nunca foi um bom caminho para se conhecer uma cidade, em seus aspectos humanos. Por falar nisso, foi um dos motivos pelo qual detestei Guarulhos: não tem botequim no centro da cidade. Ô lugarzinho chato!
Qualquer estabelecimento com registro no CNPJ, ou CGC, ou CNPq, ou CNPQP pode vir a ser um "centro cultural". Acontece apenas que os botequins, por serem, por definição, locais dedicados única e exclusivamente a um processo de relaxamento coletivo, talvez sejam os lugares mais adequados para que o ser humano promova um reencontro consigo mesmo, e, consequentemente, como seu próximo, viabilizando, desta forma, a manifestação da criação que é, em última análise, o próprio cerne da Arte.
Quando digo relaxamento coletivo, digo que é um local onde as pessoas tendem (note bem o TENDEM) a largar suas mascarazinhas de empresário, contínuo, varredor de ruas, escritor et um monte de coeteras e se manifestarem apenas como seres humanos, uns para outros. Quem não é capaz de compreeender isto é indigno de entrar num botequim e participar em igualdade da confraria ali estabelecida.
Academização é quase que sinônimo de torre-de-marfim (apud Edmund Wilson), de elitização, de impedimento de acesso, por parte do povo, da Cultura. Ao passo que um botequim, por pior que seja, é sempre um ponto onde individualidades se encontram e, até mesmo, se interpenetram (sem viadagem), o extremo oposto do meu conceito de Academia. Para mim, parece óbvio que é muito mais fácil atingir a compreensão do ser humano em um botequim do que numa "academia".
Paulo Mendes Campos, em uma crônica chamada "Os Bares Morrem Numa Quarta-Feira", tece uma comparação interessante. Diz que o Kafka imaginava uma conto como seguinte enredo: uma festa à qual várias pessoas comparecessem, sem que nenhuma tivesse sido convidada, ninguém se conhecesse, e onde, contudo, o convívio se estabelecesse, com todas os seus aspectos positivos e negativos. Paulo Mendes Campos dizia que essa festa já existia, e eram os bares do Rio. No que concordo em gênero, número e grau.
* devidamente editado por este impronunciável xará, a partir de trechos pinçados de uma mensagem deixada na saudosa Tribuna do Samba & Choro
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Ah, céus...
ResponderExcluirEu ando disso que mal me aguento esses dias...