terça-feira, 27 de dezembro de 2005

Outra vez

É curiosa a época de virada de ano. Este efeito psicológico tão compreensível quanto necessário, provocado pela demarcação de etapas na perdição do tempo indistinto, tradicionalmente remete a uma avaliação/projeção comparativa de metas, ou pelo menos, de modos. O exercício é quase natural, mas nem por isso menos aborrecido e cansativo. E o enfado acaba sempre desaguando na inafastável indagação: "afinal, pra quê tudo isso?".

Já percebestes, a essa altura, que não estou para literaturas. Não é fácil pra gente, em geral, porque parece que pesa sempre sobre os nossos pescoços a espada drummondiana: "nem me reveles teus sentimentos..." As águas do espírito agitam-se tão desordenadas, e os remansos se cruzam, se estranham e se crispam sob o céu de incertos auspícios. E assim, por impossíveis de honestamente compartilhar, esses soçobramentos não podem escapar do inferno íntimo nem ter um mínimo sentido, ainda que fraco e desprezível. Talvez um dia, desobrigados dos pudores de letras, nos seja franqueado esse infinito oceano de ventos incertos no qual atiraremos nossas miseráveis e desesperadas súplicas engarrafadas, para que cumpram seu destino e venham pousar sossegadas n’alguma praia desavisada. Sem sentimentos, pois, por ora, que não interessam mesmo a ninguém.

Porque estamos nós bem aboletadinhos nas nossas certezas, singrando a vida pela margem e de repente... zaz! Um canto qualquer de sereia nos puxa pro meio do rio, entre correntezas, galhos e tempestades. E o que é pior, com a sensação de que a vida é mesmo isso, o vento na cara, os solavancos, o barco adernando. Até a hora em que, afogamento iminente, somos forçados ao regresso. E as margens nos sorriem com satisfeita provocação, como mulher de malandro que se compraz com a certeza de seu arrego. O retorno é sempre o mais difícil dos caminhos.

Porque, afinal, há que se viver a vida, senhores. Esse delicioso produto de acasos absurdamente improváveis, desde aquele, Supremo, que propiciou ao primeiro aglomerado protéico a capacidade de engendrar a sua própria replicação.

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