Nei Lopes
- Natal bom era naquele tempo, quando a gente comia do bom e bebia do melhor ainda! Não que durante o ano a gente não bebesse nem comesse. Mas Natal era dia de juntar pé com cabeça, morrer todo mundo abraçado que nem filhote de gambá.
- Ih! Já está Seu Nozinho, de novo naquele papo careca de "meu tempo", naquele caô de bonde Irajá, lotação abaixadinho. Pô, coroa, já era! O esquema agora é outro, tio!
- Naquele tempo, aqui no morro, a gente amarrava cachorro com lingüiça mas tinha respeito. E Natal tinha pastorinha, folia de reis, castanha, rabanada. O vinho era Telefone. Mas a gente tinha dinheiro pra comprar um, dois, três garrafões, daqueles com palhinha..
- Ninguém está mais nessa, não, maluco! O lance hoje é progresso, é pra frente, é vamo que vamo! O que a moçada quer do Natal é grana do bolso da bermuda, um bom "naique" no pé, um namorado ou uma namorada pra ficar... Vaz Lobo hoje é uma cidade. E Natal é uma festa como outra qualquer: negócio de "xópin", mesmo. A diferença é que tem o especial do Roberto Carlos.
- Esse negócio de Papai Noel e árvore de Natal, veio depois, muito depois. O que tinha era presépio, com as figurinhas lá, os santos, os reis magos, os bichos... Era cada um mais bonito que o outro. E quem podia, até fazia com movimento, as figuras mexendo a cabeça. Às vezes tinha até água caindo, fazendo cascata.
- "Presépio"! Nome besta! Lembra "presepada". E Seu Nozinho quando toma uns negócios fica mesmo presepeiro. Presepeiro e cascateiro. Onde já se viu Natal sem árvore nem Papai Noel?
- E digo mais. Lá em casa, onze e meia o Velho sentava na cabeceira da mesa. Aí, é que a gente sentava também, a família toda reunida. A primeira caneca de vinho, que era o sangue de Cristo; a primeira rabanada, que era o pão; e o primeiro bolinho de bacalhau, que era o peixe, isso tudo era dele, que abria os trabalhos. Depois é que a gente caía dentro. Com educação, devagarinho, porque juntar pé com cabeça, mesmo, só depois que o Velho ia dormir. Mas antes de dormir, Ele ficava "alegre". Uma vez por ano. E aí pegava o violão e a gente começava o samba, versando no partido.
- Natal com samba ! Eu, hein!? Coisa de coroa, mesmo! Não dá nem pra pensar no Papai Noel com aquele chapeuzinho de velha-guarda. Tremenda bobeira! E família, maluco ?! Família aqui, sou eu, que sou pai, mãe, avó, tudo ao mesmo tempo...
- Quando veio aqui pra Jaqueira, o Velho quis seguir a tradição lá de Minas. Mas não deu. Lá, como ele dizia, o Natal ia do 25 de dezembro até 6 de janeiro, dia dos Santos Reis. Dia 25 era o aniversário do Menino Jesus; dia 27 se comemorava Nossa Senhora do Rosário; dia 28, São Benedito; e no dia 6 fechava com chave de ouro. Ele contava que era festa de arromba mesmo, nas casas e na rua. Com foguetório, procissão, mastros, bandeiras. E os congos e moçambiques na praça.
- Foguete, aqui a gente sabe que tem utilidade. E é o ano todo. Agora, esse papo de (como é que é?), "congo", "moçambique", parece coisa de macumba. E macumba também é um bagulho da antiga. Aqui no morro, hoje em dia, eu acho que (deixa eu ver) pelo menos uns sessenta por cento do povo é crente. Eu, mesma, recebi Jesus ano passado... Caraca ! Eu era muito doida. Agora, estou numa boa!
- É... era outro Natal!E eu vou nessa! Até mais!
- Hmmm. Seu Nozinho vem vindo pra cá. Não vai falar bobagem pra ele, viu Maicon!? Tem, que respeitar os mais velhos!
***
- Como é que foi o Natal, Marli, tudo bem?
- Foi tudo na paz, Seu Nozinho! A gente ficou aqui orando...
- E você, Maicon? Papai Noel chegou junto?
- (...)
- Que cara emburrada é essa, moleque?
- Ah, Seu Nozinho! Esse menino anda impossível. Queria porque queria um "mini-gueime" ou um "páuer-renger"..
- ???
- Eu disse que não ia dar. Depois, cismou com uma pistola. Eu fiz pé firme e ele armou o maior banzé aqui, dizendo que tinha que ganhar pelo menos um revolvinho. Aí, eu falei pra ele que Papai Noel não gosta de menino teimoso.
- Isso mesmo. Papai Noel só gosta de menino sangue bom.
- E sabe o que esse menino, que nem sabe falar direito, me respondeu, seu Nozinho?
- O quê ?
- "Quero que Papai Noel se f...!" . Vê se pode?
- Deixa isso pra lá, minha filha. O Natal já não é mesmo mais aquele!
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