quinta-feira, 2 de dezembro de 2004

Dia do samba

Há extamente um ano, tive a honra de participar de sessão solene da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo em homenagem ao Dia Nacional do Samba (02 de dezembro), por iniciativa do Deputado Estadual Nivaldo Santana, presidente do PCdoB paulista.

Na ocasião, fui instado a lembrar os 25 anos da morte do grande compositor portelense Candeia. E o fiz nos termos que ora transcrevo:


Exmo. Sr. Presidente:

Hoje é um dia singular na história do samba. Ele já havia penetrado no Municipal, como cantou Cartola. Ele já é cantado na Universidade, como preconizou mestre Candeia. E hoje ele chega à mais importante casa da democracia no Estado de São Paulo. Hoje é Dia de Graça!

Esta solenidade enlaça três datas da maior importância para nossa cultura popular. O Dia Nacional do Samba, que se comemora amanhã. O dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro. E, o dia 16 de novembro, quando se completaram 25 anos da morte de um dos maiores baluartes da história da música popular brasileira, Antônio Candeia Filho.

Essas datas se entrelaçam de maneira indissociável. Porque falar de consciência negra é falar de Candeia. Falar de Candeia é falar de samba. Portanto, falar de samba é falar de consciência negra. E falar na sua dimensão mais profunda, não só na de consciência do direito à igualdade de tratamento e oportunidades para o povo afro-descendente, mas sobretudo na de consciência do papel fundamental, basilar, da cultura do povo negro na formação do modo genuinamente brasileiro de pensar, agir, cantar, dançar, relacionar-se, ver e entender o mundo. Falar de consciência negra, então, é falar de consciência brasileira!

Candeia foi o emblema desta consciência ao mesmo tempo histórica e profundamente engajada. O dia da consciência negra é celebrado em 20 de novembro em memória da morte do herói Zumbi dos Palmares. Mas o dia 16, dia da morte de Candeia, também é dia da consciência negra, da consciência brasileira. Quase 300 anos separam os dois eventos. Zumbi foi o símbolo vivo da resistência a um modo de organização social e a um modelo econômico que estuprou as formas ancestrais de sociabilidade do povo africano, destruindo os laços familiares e de nacionalidade em que se assentam sua cultura e religiosidade. Os quilombos constituíram uma tentativa de reestruturação, em solo brasileiro, de uma identidade violentamente arrasada quando da expatriação dos negros de África. Candeia simboliza a resistência a um modelo econômico e social que não só continua marginalizando a cultura de origem popular, mas apropria-se das formas mais genuínas de sua expressão para submetê-las à lógica viciada do poder e do dinheiro. O grande sambista soube melhor que ninguém denunciar um processo de usurpação dos espaços das escolas de samba por uma elite estranha à cultura do samba, e a imposição da ditadura do luxo, do visual, do “show” televisivo, a oprimir a verdadeira arte de dançar e cantar o samba. Não por outro motivo o espaço em que se organizou essa resistência, fundado por Candeia, recebeu o nome de Grêmio Recreativo de Arte Negra...Quilombo.

"O samba que eu criei tão divino ficou
Agora sei quem sou"

Hoje o samba se afirma, estribado em apoios importantes, como o que se configura nesta seção solene. Mas são muitos ainda os obstáculos a transpor para firmá-lo como forma e espaço privilegiado de afirmação de um modo de viver, pensar e agir diferentes daqueles imposto pelos padrões dominantes, hoje em escala globalizada. Lembrar Candeia-Zumbi é lembrar que o sonho está vivo e que temos a missão de sempre construí-lo.

"A chama não se apagou, nem se apagará
És luz de eterno fulgor, Candeia
O tempo que o samba viver, o sonho não vai acabar
E ninguém irá esquecer Candeia

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