ou Da morte da política
Das primeiras discussões sobre o novo “valor” do salário-mínimo até a recentemente anunciada proposta de desvinculação da atualização dos benefícios previdenciários ficou-me uma triste sensação: a política está morta. Em seu lugar, reina impávido o domínio da competência contábil. A própria oposição, ao apresentar hoje a proposta alternativa, não encaminhará argumentos políticos atinentes ao desenvolvimento ou à coerência dos líderes petistas. Invocará, tão somente, “argumentos técnicos”, como estampam os principais jornais.
Se para saber o valor do salário o que contam são apenas e tão somente os nunca assaz esclarecidos cálculos do Ministério da Fazenda, teria preferido um contador ao torneiro mecânico de São Bernardo para a outrora chamada “suprema magistratura da nação”.
Outrora chamada, porque mais hoje não é “magistratura”, pelo menos não como definida pelo bom e saudoso Antônio Houaiss a figura do “magistrado”: “indivíduo investido de importante autoridade, que se exerce nos limites de uma jurisdição, com poder para julgar e mandar, ou que participa da administração política ou que integra o governo político de um Estado”. Porque me recuso a identificar má-fé a tal ponto no homem que veio de Garanhuns num pau-de-arara para tentar a sobrevivência no sul-maravilha. Incompetência também não é, pois Lula cansou-se de mostrar sua sagacidade política em todos esses anos de atuação marcante e decisiva na cena nacional. Então, só pode ser falta de poder para julgar e mandar.
“Suprema” também deixou de ser faz tempo. Lula manda mais, ou o Palocci e o Meirelles? Mas ele é o dono da caneta que poderia botar estes últimos para correr, ora direis. Mas sabemos que ambos ali estão a mando de outrém, talvez do “Coiso”, como diria o bom Nataniel Jebão.
E a “nação” também não tenho certeza de a quantas anda.
Isso nos conduz à triste conclusão de que a verdadeira herança maldita deixada pela era tucana não se resume à exponenciação da dívida pública, ao aniquilamento do parque industrial nacional, à completa estagnação econômica e à dilapidação do patrimônio estatal. O legado fatídico é a perpetuação de uma lógica financista auto-referente e auto-suficiente que, mais do que desprezar, faz prescindir-se da política como arte dos cidadão de uma pólis disputarem os rumos da coletividade e negociarem a tomada de decisões. A lógica contábil dos superávits (que obviamente é não mais que a máscara ideológica para o verdadeiro substrato consistente na intangenciabilidade da obrigação de honra aos compromissos formais com os credores) governa os destinos do estado brasileiro como um andróide insensível pré-programado para exercer a sua sanha exterminadora, rebelado e incontrolável .
O imobilismo de um governo que incorpora setores altamente representativos da esquerda brasileira, sua quase patética incapacidade de desmontar as armadilhas mais simplórias do modelo financista, mostram-nos o quanto precisamos urgentemente ressuscitar a política como forma de controle do estado pelos cidadãos. A Argentina está descobrindo a duras penas, depois da implosão do sistema, mas é altamente instrutivo perceber como, a despeito de todos os sinais inequívocos, foi preciso que o carro desgovernado caísse no precipício, sem que fosse possível, de dentro do sistema, uma correção de rota.
O grande desafio que se lança, portanto, não só aos setores progressistas, mas a todos os que minimamente pretendem a continuidade do Brasil enquanto nação, é descobrir como reintroduzir-se mecanismos de controle político sobre a lógica insana que tudo submete, em última instância, ao interesse da voracidade do capital financeiro improdutivo. Ou o sistema-leviatã, hoje autômato e escravizado, nos engolirá a todos e, finalmente, a si próprio.
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