sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Até quarta-feira


E enfim é chegada a hora, uma vez mais, de arrastarmos pelas ruas nossas solidões, do esforço - a cada ano maior - em disfarçar a lágrima sob a máscara. Os joelhos, mais cansados, de novo terão de suportar meu corpo, mais gordo e mais pesado, de um fardo de dores e tristezas e medos. As sapatilhas ainda mais rotas, de tanta lama de tanta estrada, sofrerão novamente para me conduzir por uma jornada errante à procura do que a gente toda julga evidente, mas, em verdade, a cada dia mais se esgueira pelas vielas estreitas e becos recônditos.

Porque o Carnaval, senhores, não é isso que está aí jazendo sob os olhos. Por mais que nos regozijemos, por tanto que nos tenhamos para isso empenhado, não é possível nos deixarmos enganar tão facilmente! Assim eles querem, assim eles agem. Querem nos fazer crer que vencemos, que se renderam; que as ruas tomadas de gente e de música são a coroa da nossa vitória. Mas posso eu acreditar num Carnaval que não seja negação? Que se tenha sob tantas formas oficializado, vá lá! Transformou-se, aqui e ali, em coisas outras que guardam, indiscutivelmente, parte da beleza e força de sua origem popular, a despeito de não serem mais o Grande Carnaval! Este, ao contrário, continua tendo o poder imenso e perfeitamente ordenado (de uma ordem outra, por certo) de transformar e subverter. E por isso não se deixa colher em qualquer esquina repleta de barulho e animação. Refugia-se nos pequenos gestos de gentileza, na cumplicidade dançante, nos sorrisos envelhecidos.

Envelhecidos, sim, porque não posso crer num Carnaval que seja jovem! Já o foi, quando a juventude, recolhida à sua devida condição observante, não era mais que um grande ímpeto reprimido de vozes e humores. Mas não pode mais sê-lo, quando tudo quer se ditar pelas diretrizes da vitalidade, da disposição, da boa saúde. Pois não é o Carnaval o filho dileto da pulsão de morte? Poderia um tamanho caudal, a movimentar tantas comportas, senão pela força do represamento?

Ouço a entrevista de uma cantora que anda na moda: “Vou para o Rio, desfilar na Portela e no Cordão da Bola Preta”. Temo pelo Carnaval toda vez que se põe a reafirmar os padrões que, a fórceps, nos governam. Quando se rende desmedidamente às exigências da oficialidade ou do padrão “civilizado”. Rezo pelo Carnaval, quando percebo que toda nossa admiração pelos pioneiros que plantaram as sementes dessa árvore frondosa não foi capaz de nos transmitir sua coragem de enfrentar a repressão, seu destemor de desafiar a ordem constituída. Choro pelo Carnaval que não prescinde do carro de som, da autorização da prefeitura e do cordão de isolamento.

E chorarei e rezarei e temerei ainda mais e de novo - e sempre -, mas só a partir da quarta-feira. Que agora não são mais horas, não há mais tempo para depravações. Havemos de nos perder na multidão, a cantar um samba do Elton e do Hermínio:

Vou buscar aquilo que foi meu
E que no mundo se perdeu
Qual folhas que o vento soprou no ar...
Ter a mesma paz de antigamente
Sair cantando por cantar
Qualquer canção sob qualquer luar


Nenhum comentário:

Postar um comentário