segunda-feira, 17 de maio de 2004

Um outro olhar sobre o Tibete, ou o Dalai 171

Júlio Vellozo


A visita de Lula à China tem causado um sem número de apelos para que o presidente do Brasil se pronuncie a favor da independência do Tibete.

Antes de analisar mais detidamente a questão - a grande imprensa por má fé e oportunismo, e uma parte importante das pessoas de bem por boa fé e falta de informação - tendem a identificar na causa defendida pelo Dalai Lama uma reivindicação justa.

No entanto é preciso ir além da superfície e da aparência, e buscar a essência do fenômeno separatista do Tibete. Façamos como Sherlock Holmes nos contos de Alan Poe e respondamos a uma pergunta essencial: a quem serve o crime? Ou para ser exatos, a quem serve dividir o grande país do Oriente, a nação que mais cresce no mundo e que em pouco tempo deve se transformar na segunda potência mundial?


“O mundo estremecerá”

Napoleão Bonaparte dizia: "quando a China despertar o mundo estremecerá". O conquistador não estava falando bobagens. A China é o país com a maior população do mundo. Para se ter uma idéia do tamanho da população do país basta imaginar que um em cada cinco habitantes do planeta é chinês.

O país tem o maior exército permanente da terra, com por volta de 2 milhões e oitocentos mil homens e mulheres. É a terceira potência nuclear do planeta, ficando atrás apenas da Rússia e dos Estados Unidos.

Há poucos meses um dos milhões de membros do Exército Vermelho pode se assegurar de que o nosso planeta é azul: a China se transformou no terceiro país do mundo a mandar uma espaçonave tripulada para o espaço.

A China nos últimos anos cresceu a espantosos 9% ao ano (em média). Graças a isso e a vultosos investimentos sociais conseguiu tirar 200 milhões de pessoas da pobreza (mais do que toda a população brasileira).

Este crescimento todo tem levado os analistas internacionais, de esquerda e de direita, simpáticos ou não à China, a uma conclusão quase unânime: por volta de 2020 o PIB da China ultrapassará o norte-americano, e o país se transformará na maior potência econômica mundial. Os mais otimistas, como os da consultoria Goldman Sachs, prevêem a ultrapassagem para 2041, o que, em matéria de história, é logo ali.

Além disso, os Estados Unidos tem um déficit na balança comercial com a China de impressionantes 120 bilhões de dólares todo ano, o que quer dizer que, no comércio entre os dois países, a China vende muitíssimo mais para os EUA do que o contrário. Assim, os dólares e os empregos estão indo parar do outro lado do mundo.

A China detém a segunda maior reserva cambial do mundo ( bem maior que as dos EUA), são 340 bilhões de verdinhas que estão bem guardadas na terra de Mao Tse.

Não é necessário dizer que essa realidade tem tirado o sono do governo dos Estados Unidos e de outras potências imperialistas. No entanto, dado o peso econômico, geopolítico e militar da China, o país do Dragão não pode ser esmagado do mesmo modo que foi o Iraque. A experiência histórica demonstra que o povo Chinês é muito cioso de sua independência, e não há holocausto que dê conta de exterminar um quinto do planeta.

Assim, a guerra contra China é mais estudada e de longo prazo. Por ser de baixa intensidade, ela se desenvolve centralmente no campo das idéias. Uma das principais armas dos Estados Unidos nesse tipo de batalha, a industria cultural, já está em campo há bastante tempo. Para perceber isso basta ver que a China tem ocupado o lugar da URSS no fornecimento de bandidos e vilões para os filmes da Disney e de outros estúdios importantes. Não é à toa que produções como Mulan e 7 anos no Tibete estiveram entre as mais incentivadas produções do último período.


Dividir para governar

Desde de o tempo em que Dondon jogava no Andaraí o Imperialismo tem se utilizado da tática de dividir o mundo para governar. Recentemente, o processo de explosão das nacionalidades nos Bálcãs, demonstrou esta disposição de incentivar nacionalidades que estão agrupadas em um só país a se rebelarem. O objetivo é enfraquecer os países que representam ameaça aos EUA, e até mesmo forçar intervenções militares, com ou sem a chancela da ONU.Essa tática se repete no caso do Tibete.

A China é um país que se formou há milênios de modo multinacional. Nenhum outro país do mundo se constrói de forma continua há 4 mil anos, baseado em 56 nacionalidades diferentes.

A nacionalidade han, majoritária no país, é apenas uma das que construíram essa história. É claro que em período tão longo, houve processos de lutas e unificações, até que o amalgama que forma a grande massa do mais de bilhão de habitantes da China se formasse.

Se, depois de milênios de convivência essas 56 nacionalidades passaram a viver juntas e a juntas construir o país, isso se deveu a percepção de que, diante das inúmeras ameaças exteriores, somente a unidade dessas nacionalidades poderia construir um país independente.

Ao contrário do que busca fazer parecer o Dalai Lama, a relação entre a nacionalidade han e os tibetanos se construiu historicamente com ênfase na cooperação mútua.

Uma forma de identificar as raízes remotas desta proximidade é ver que a língua falada na China central e no tibete são da mesma família lingüística, não acidentalmente chamada sino-tibetana. No século VII, quando as tribos do planalto tibetano formaram o seu primeiro estado, dois de seus soberanos casaram-se com princesas de origem han, firmando aliança com a dinastia Tang, das planícies centrais da China.

Nos piores períodos de guerras e desagregação, tanto no Tibete quanto na China central, época de lutas intestinas entre dinastias que tomaram conta da região por 400 anos, foi mantida uma relação de grande cooperação entre as duas nacionalidades, ficando famosa a modalidade de comércio que envolvia a troca de chá chinês por cavalos tibetanos.

Quando no século 13 o mongol Kublai Kan reunificou a China e inaugurou a poderosa dinastia Yuan, o Tibete foi incorporado ao Império do Meio como uma de suas províncias. Desde então é parte da China, o maior país multinacional do mundo.


Ao contrário do que dizem: Tibete é da China

Setecentos anos nos separam do século XIII, que marcou a incorporação do Tibete à China. Desta maneira mentem todos os que creditam à revolução comunista de 1949 a incorporação do Tibete à China.

De Kublai Kan para cá, mesmo considerando a atividade desagregadora de traidores nacionais como o Dalai Lama, não houve luta nacional da China em que o povo tibetano não estivesse envolvido na defesa da pátria, em uma demonstração clara de que se consideram chineses. Na história da china, repleta de guerras e batalhas antiimperialistas, o povo tibetano tem lugar de destaque.

Desde a dinastia Yuan os tibetanos participam em condições de igualdade com os outros chineses da vida política do país. Não há direito para pessoas de origem han, que não se estenda aos tibetanos.

Em toda a história da China os olhos cobiçosos de japoneses, russos (na época do czar) e ingleses ambicionaram arrancar pedaços do país. Assim, por várias vezes, o governo central da China viu o seu poder enfraquecido diante da tentativa destes países de - dividindo as nacionalidades que formam a China - dividirem o país. Foi assim que a Rússia ocupou a Mongólia e a dividiu em Mongólia interior e Mongólia Exterior. Foi assim que o Japão incentivou a antiga dinastia Manchu e depois invadiu a Manchúria. Foi assim que a Inglaterra, que com seu imperialismo ávido dominava a Índia, o Butão e o Nepal, invadiu o Tibete em 1888 e 1903.

A invasão do Tibete pelos Ingleses não deu certo, mas as tropas de sua majestade arrancaram concessões e continuaram a incentivar um nacionalismo artificial a serviço de seus interesses. Daí a origem do grupo que reivindica hoje, sem falar em nome do povo, a independência do Tibete.

Em 1949, com a revolução socialista que libertou a China do jugo feudal, houve um redimensionamento nessa batalha. O Partido Comunista tinha o dever de, ao libertar a China do jugo feudal, faze-lo em todo o seu território, aí incluído o Tibete. Os senhores feudais do Tibete, preocupados com a manutenção de seus privilégios e do horrível regime de servidão a que era submetido o povo tibetano, concentraram tropas nas fronteiras para evitar o avanço comunista.

Mesmo assim, o Exército Popular só entrou na capital tibetana em 26 de outubro de 1951, depois da volta do 14º Dalai Lama que havia fugido e com o seu consentimento. O montanhista austríaco e militante nazista Heinrich Harrer, autor de sete anos no Tibete, anti-chinês até a medula reconhece: “ Deve-se dizer que durante essa guerra as tropas chinesas se mostraram disciplinadas e tolerantes e os tibetanos que foram capturados e depois libertados diziam que haviam sido bem tratados”.

O 14º Dalai Lama participou da primeira Assembléia Nacional Popular da
China, que elaborou a Constituição chinesa, sendo inclusive um dos vice-presidentes da Assembléia. E declarou: “os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinariam a religião no Tibete foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas”.

No entanto, sob o governo do Dalai Lama, o povo Tibetano vivia sob uma incrível opressão. Dados apresentados por Duarte Pereira no seu A Polemica sobre o Tibete ( que junto com textos de Haroldo Lima e Severino Cabral me auxiliaram a escrever este texto), no tibete dos Dalai Lama o governo e os mosteiros tinham 38,9% e 36,8% das terras respectivamente; aristocratas leigos detinham 24% das terras e os pequenos camponeses ficavam com apenas 0,3%. 90% da população era formada por servos que pagavam algum tipo de tributo (renda, corvéia, renda em produtos) aos monges, estado ou aristocratas. Oito por cento da população era formada por escravos. Servos e escravos (lembrem nesta hora da cara de bonzinho do Dalai!) eram vendidos, trocados, doados, presenteados. Os monges eram carregados nos ombros em liteiras pelos escravos e servos e tinham o direito de mata-los se pagassem pequena indenização.

Assim, quando houve a revolução, é difícil considerar que os servos tibetanos tenham ficado tristes com sua libertação do jugo feudal ou com as terras que antes eram dos monges e aristocratas e que passaram a ser do povo do Tibete.

Como em Kosovo, onde o imperialismo transformou Albaneses em heróis e Sérvios em vilões; tenta-se agora satanizar os chineses e transformar o Dalai Lama e os separatistas tibetanos em verdadeiros santos.

O Tibete é chinês há pelo menos 700 anos. Os que querem dividir a China são os antigos senhores feudais e de escravos, em aliança com os EUA. Muitas pessoas de bem se impressionam com o ar místico e bondoso do Dalai Lama. Mas é preciso perceber que por trás do seu sorriso está a história de uma aristocracia monástica terrível, que quer voltar ao poder para dividir a China e oprimir o povo do Tibete.

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