quarta-feira, 3 de março de 2004

Viva a Vila


À minha direita raia um sol vermelho-e-branco
À minha esquerda o verde-e-rosa vem dormir
À minha frente ecoa um grito de gol
Atrás de mim dorme a Floresta do Andaraí


(Rui Quaresma e Nei Lopes)



Sei que vocês não querem saber das minhas venturas e desventuras carnavalescas – sobretudo os que ficaram em São Paulo tomando chuva (não deu pra segurar...) – mas há que se prolongar o gozo o quanto se possa. E Vila Isabel, a minha Vila querida, foi palco de dois momentos de maior emoção.

O primeiro seria barbada, depois da bola que cantei aqui: processado o inventário da infância de Aldir Blanc pelas ruas do bairro mais querido do Brasil, na partilha coube-me entregar a placa ao meu ídolo, redundando na maior contra-homenagem que eu mesmo já recebi. Coisas possíveis a partir do universo absurdo – por isso mesmo crível - de um maluco querido, que entre agravos retidos e recursos adesivos, ocupa seu tempo enchendo os amigos de presentes tão preciosos como imateriais: Edu Goldenberg, meu mano, mais do que nunca, obrigado.

Não bastasse, o legado ainda compôs-se de uma bebedeira homérica e uma camisa de Vila Isabel tirada do corpo por uma criatura que é só samba, fibra e doçura, sorriso e coração de não caber no metro e setenta franzinos, depois de meia dúzia de sambas-enredo puxados. O homem que, nascida sua quarta filha em plena Terça-feira Gorda, saiu com a roupa do centro cirúrgico pra desfilar com sua Vila querida, ainda se livrando das marcas da tinta com que pintara o quarto da pequena, em duas madrugadas insones de carnaval. Buba da Vila, vinho das melhores pipas, laços difíceis de se descoser...

O segundo momento, revivendo meus melhores carnavais, a G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel lançou-se ao Boulevard 28 de Setembro, com baianas, bateria, Velha Guarda, mestre-sala e porta-bandeira, tudo a que tínhamos direito os que sofremos por estes anos de exílio imerecido no grupo de acesso. O pressentimento da vitória-retorno fez o presente da escola para a sua comunidade – sim, na Vila ainda há dessas coisas... – ser ainda mais especial. Os moradores do bairro de Noel responderam à altura, com bandeirinhas tremulando nas janelas e o povo na rua cantando com sua branco-e-azul.

Há dez anos, eu achava o programa mais gostoso do carnaval o ensaio-geral da Vila na quarta-feira anterior ao desfile. Até hoje me arrepio ao lembrar de Martinho subindo no carro de som e puxando o esquenta: "Sambar na avenida de azul e branco é o nosso papel...". E sempre atribuí essa energia à grande mistura de classes, raças e tribos que criam as condições propícias nesse balão de ensaio da plena integração carnavalesca. Porque carnaval é mistura, é subversão das regras, hierarquias e separações. Tomara que um dia o percebam os boitatás da vida.

Parabéns, Vila! Quero vê-la linda, quero vê-la ainda muito mais feliz. O grupo especial terá de aturar novamente senhoras do Boulevard, garotos da Maxwell e a rapaziada do Macaco desfilando sob as luzes-lentes internacionais.

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