sexta-feira, 31 de março de 2006

Tambor de couro

Ronaldo Silva


Pro João Gomes eu mandei um verso
Antigo
Dizendo poeta é como chama
Acende
É lamparina no calendário das
Luzes
Outro azul que me ilumina
No ver da gilva eu vi você saindo
Eu vi você sumindo pro Iriri de vez...

De madrugada canta o galo
Anunciando
Que o dia já vem raiando
E tá na hora de acordar
Parece a força da maré numa
Reponta
Parece o rasgo da campina do
Encantado
Parece o cabo da viola pontiando
Na mesma jura aquele anel dedilha
O aço
Levanto o macho e vou cantar pra
Ilha escura
Vou fazer procura, vou fazer
Bumbá...

Bumbando o norte no capim
Nas água grande
Nas cores
Na violeta que o sol vem alumiar

Eu canto e o meu tambor
de couro
Alucina...

quarta-feira, 29 de março de 2006

Xênia e você

Faz um dia de chuva insuportável nesta triste cidade. Ouvi outro dia uma canção no rádio que dizia que "cariocas não gostam de dias nublados"... Deve ser isso, meu humor é susceptível demais às variações meteorológicas. No Rio, as pessoas são, como os passarinhos, mais dóceis aos comandos da natureza, que manda que num dia assim você fique quietinho em casa tomando nescau e vendo um filminho na Sessão da Tarde. Mas esta cidade, com sua premência em fazer as coisas todas e ir aos lugares tranforma um dia chuvoso num verdadeiro exercício de penitência quaresmal (mortificam-me especialmente os sapatos encharcados pelo resto do dia, já que pedi, mas ninguém me deu um par de galochas...).

Quando era criança, morávamos numa casa de bairro onde eu, mesmo que não fosse assim um grande explorador da natureza como outros meninos, tinha o quintal à disposição. Em dia de chuva, porém, o jeito era ficar dentro de casa, fazendo engenharias com as almofadas da sala, o que deixava mamãe maluca. À tarde, na tv, ela não dispensava um programa desses iguais a tantos outros que depois vieram, com médicos e receitas, chamado Xênia e você, apresentado pela própria. Esse nome, seu cabelo mechado penteado de laquê, aquela voz tão nasal ficam-me retumbando na cabeça, remoendo, toda tarde de chuva, uma melancolia de infância.

Via de regra sou um nostálgico, é sabido, mas não particularmente da infância, como a maioria das gentes. Acho, na verdade, que fui menos criança que os outros, já era meio gente grande, preocupado com a crise do petróleo e o terrorismo das Brigadas Vermelhas na Itália (pensava nisto outro dia, vendo minha filha brincar a valer com um bando de crianças que ela conhecera fazia cinco minutos...). Tenho muito mais saudade de lugares e de pessoas do que propriamente de ser criança. Mas hoje, imobilizado no trânsito, sapatos encharcados, deu uma tremenda vontade de ouvir a voz da Xênia embaixo de um túnel de almofadas e esperar minha mãe trazer uma bandeja bem cheirosa com misto quente e nescau batido no leite.

segunda-feira, 27 de março de 2006

Ariclê Perez

Soube neste instante da morte aparentemente ininteligível da atriz Ariclê Perez, despencada do décimo andar do prédio onde morava em Higienópolis, aqui pertinho.

Tomado de tristeza e daquela indignação que suscitam as mortes particularmente estúpidas (como se a morte em si mesma não fosse uma enorme e necessária estupidez), registro aqui minha homenagem à bela atriz e ao ser humano especial que tive oportunidade de conhecer, quando em 1992 ela generosamente aceitou o convite de uns estudantes malucos para apresentar um ato relembrando os quinze anos de invasão truculenta da PUC-SP pelas tropas do coronel que não vou nomear, por respeito aos escassos leitores deste espaço.

Ariclê, daqui da minha insignificância, alteio a vozinha cansada pra consignar o agradecimento e o carinho que o tempo não vai apagar do meu coração.

sexta-feira, 24 de março de 2006

Amazônia

Nilson Chaves


Sim, eu tenho a cara do saci
O sabor do tucumã
Tenho as asas do curió
E namoro cunhatã

Tenho o cheiro do patchuli
E o gosto do taperabá
Eu sou açaí e cobra grande
O curupira, sim, saiu de mim
Saiu de mim
Saiu de mim...

Sei cantar o "tar" do carimbó,
do siriá e do lundu
Um caboclo lá de Cametá
E um índio do Xingu
Tenho a força do muiraquitã
Sou pipira nas manhãs
Sou boto, igarapé
Sou Rio Negro e Tocantins!

Samaúma da floresta
Peixe-boi e jabuti
Mururé, filho da selva
A boiuna está em mim
Sou Curumim, sou Guajará
O Waldemar, o Marajó, cunhã...
A pororoca, sim, nasceu em mim
Nasceu em mim
Nasceu em mim...

Sim, eu tenho a cara do Pará
O calor do tarubá
Um uirapuru que sonha
Sou muito mais
Eu sou... Amazônia

quarta-feira, 22 de março de 2006

De botequins e academias


Fernando Toledo*


Sempre que chego em uma cidade que não conheço, a primeira coisa que faço é correr para um pé-sujo, local onde a verdadeira face da cidade em questão me é sempre revelada. Ficar trancado no hotel ou seguir as recomendações da VEJA nunca foi um bom caminho para se conhecer uma cidade, em seus aspectos humanos. Por falar nisso, foi um dos motivos pelo qual detestei Guarulhos: não tem botequim no centro da cidade. Ô lugarzinho chato!

Qualquer estabelecimento com registro no CNPJ, ou CGC, ou CNPq, ou CNPQP pode vir a ser um "centro cultural". Acontece apenas que os botequins, por serem, por definição, locais dedicados única e exclusivamente a um processo de relaxamento coletivo, talvez sejam os lugares mais adequados para que o ser humano promova um reencontro consigo mesmo, e, consequentemente, como seu próximo, viabilizando, desta forma, a manifestação da criação que é, em última análise, o próprio cerne da Arte.

Quando digo relaxamento coletivo, digo que é um local onde as pessoas tendem (note bem o TENDEM) a largar suas mascarazinhas de empresário, contínuo, varredor de ruas, escritor et um monte de coeteras e se manifestarem apenas como seres humanos, uns para outros. Quem não é capaz de compreeender isto é indigno de entrar num botequim e participar em igualdade da confraria ali estabelecida.

Academização é quase que sinônimo de torre-de-marfim (apud Edmund Wilson), de elitização, de impedimento de acesso, por parte do povo, da Cultura. Ao passo que um botequim, por pior que seja, é sempre um ponto onde individualidades se encontram e, até mesmo, se interpenetram (sem viadagem), o extremo oposto do meu conceito de Academia. Para mim, parece óbvio que é muito mais fácil atingir a compreensão do ser humano em um botequim do que numa "academia".

Paulo Mendes Campos, em uma crônica chamada "Os Bares Morrem Numa Quarta-Feira", tece uma comparação interessante. Diz que o Kafka imaginava uma conto como seguinte enredo: uma festa à qual várias pessoas comparecessem, sem que nenhuma tivesse sido convidada, ninguém se conhecesse, e onde, contudo, o convívio se estabelecesse, com todas os seus aspectos positivos e negativos. Paulo Mendes Campos dizia que essa festa já existia, e eram os bares do Rio. No que concordo em gênero, número e grau.

* devidamente editado por este impronunciável xará, a partir de trechos pinçados de uma mensagem deixada na saudosa Tribuna do Samba & Choro

segunda-feira, 20 de março de 2006

Gaudium et spes


Quero é a delícia de poder sentir as coisas mais simples
(Manuel Bandeira)


São Paulo teve a felicidade de receber neste final de semana (e o fato de ser a negação dialética do Brasil confere, ao menos, algumas prerrogativas à cidade), dois eventos que encheram de alegria e esperança os corações dos que ainda têm olhos pra ver e ouvidos para ouvir.

O primeiro, havia já cantado a bola semana passada, foi o Terruá Pará. Mais de sessenta artistas das mais variadas tendências da música pujante que se faz no mais belo estado brasileiro, com sua força expressiva, sua autenticidade arraigada, sua identidade tão própria, bem como - por que não dizer? - suas contradições, muito bem representadas pela barulheira desconexa do “tecno brega”. Destaque para a força instrumental desse torrão que faz brotar músicos aos borbotões em cada meandro de rio, em cada esquina de cidade, em cada igarapé, representada entre outros pelo guitarrsita Pio Lobato, das fileiras do roque e com a sensibilidade de perceber as riquezas todas do universo musical amazônico, do genial maestro Luís Pardal, pelas “metaleiras” que animam os carimbós levanta poeira desse mundão de meu Deus, pelos excepcionais mestres da Guitarrada.

Tudo esteve lá. Das raízes de Dona Onete, do Boi Veludinho e do Arraial do Pavulagem às vozes sofisticadas de Nilson Chaves e Lucinha Bastos, passando pelo impacto do tecno-brega da Gabi, o Pará é aquilo mesmo. Não há – e isso talvez o que mais tenha-me impressionado desde 1991 – o menor traço de folclorismo naquelas todas manifestações. Todos os artistas que ali se apresentaram tem seu público, seu papel. Nilson Chaves não é um ícone venerado pela intectualidade “preocupada” com a música de raiz: é um fenômeno de sucesso e popularidade há 30 anos, menestrel de sua terra e de sua gente, querídissimo pelo povo paraense de todas as classes sociais. Os bois arrastam multidões pelas ruas de Belém nas épocas próprias, os bailes dos carimbós e das guitarradas do interior fervilham de uma gente que não consegue viver longe da música. O tecno-brega das aparelhagens pode estar criando uma geração ensurdecida pela potência irracional e desproporcional dos equipamentos de som, mas só quem já percorreu muito aquelas periferias sabe da sua força com as multidões, tanto como os bailões de brega, zuck, jererê e por aí vai. Facetas várias, por vezes opostas, por vezes contraditórias, de uma terra que respira musicalidade até no jeito de falar e andar, onde a Rádio Cultura (dedicada excelusivamente à boa música popular brasileira e em grande parte privilegiando a produção local) está sempre disputando as primeiras colocações no ranking de audiência.

O outro banho de beleza não só musical foi a série de shows de lançamento do álbum Trilha, Toada e Trupé do grupo paulistano A Barca, composto por três Cd’s e um DVD, fruto de uma peregrinação por mais de 10.000 km em nove estados brasileiros, do Pará a São Paulo, entre dezembro de 2004 a fevereiro de 2005. Foram trinta comunidades visitadas, entre aldeias ribeirinhas, terreiros, quilombos, periferias de cidades, sempre colhendo material, registrando, interagindo. O resultado do trabalho que está no álbum e esteve no palco do teatro do Sesc Pompéia é material obrigatório para quem se propuser a refletir sobre o papel das manifestações culturais na vida e na estrutura social dessas comunidades e, conseqüentemente, de todo o povo brasileiro.

Mas acima de tudo, o que ali se viu e que se pode ouvir do que foi colhido é a aparentemente inesgotável e profunda beleza das formas expressivas que misturam sonoridades, coreografias, dramaticidades que levam ao mais aguçado limite a dialética entre simplicidade e sofisticação. Universos sonoro-visuais inacreditavelmente ainda possíveis, formas que se perpetuaram e resistem contra e a despeito de toda desconstrutividade do nosso mundo que a tudo devora e planifica, na alma dos artistas e das comunidades que os gestam, maravilhosamente colhidos, tratados e recriados pelos competentíssimos músicos d’A Barca, o que só faz evidenciar mais e mais as possibilidades de riqueza estética e expressiva espalhadas pelo chão brasileiro.

Dois grandiosos momentos que acabaram por coincidir no espaço-tempo, dois gigantescos esforços de produção competente e arrojada, a cujos responsáveis devoto aqui o maior respeito e admiração. O público afortudanamente respondeu à altura, lotando os dois eventos, prestigiando o que de melhor ainda tem o Brasil, demonstrando tamanho envolvimento e respeito que me fizeram, em átimos, acreditar que tudo ainda pode ter jeito.

quinta-feira, 16 de março de 2006

Terruá Pará

Meus amigos, a terra em São Paulo vai tremer neste fim de semana.

Acontece nesta sexta, sábado e domingo (17, 18 e 19 de março) o Terruá Pará, grande espetáculo que reunirá no auditório do Parque Ibirabuera uma seleção da pesada de grandes forças expressivas da maravilhosa música popular brasileira que se faz no meu querido estado do Pará. "Terruá" é uma forma acabocada do francês terroir, termo que remete às coisas próprias "da terra", tanto no sentido telúrico, como no de no sentido de autênticas, originais, próprias de um lugar (nesta acepção próximo ao nosso pobre "de raiz").

Nos três dias de evento, mais de 50 músicos paraenses apresentarão um grande show dirigido pelo produtor Carlos Eduardo Miranda, entre os quais mestre Nilson Chaves, a rapaziada batuqueira do Trio Manari, o excelente Arraial do Pavulagem, Toni Soares, Lucinha Bastos, Almirzinho Gabriel, Dona Onete, La Pupuña, Mestres da Guitarrada, Pio Lobato, Tubas da Amazônia, Gabi Amarantos, Dj Iran, Mestre Laurentino, MG Calibre, Boi Veludinho, Metaleiras da Amazônia, e o endiabrado multinstrumentista Pardal. É esperada também a participação especial da estrela maior, Fafá de Belém.

O cenário será todo confeccionado em madeira de miriti, palmeira amazônica a partir da qual se fazem os tradicionalíssimos brinquedos característicos da festa do Círio de Nazaré, e está sendo preparado pela ONG Miritong de Abaetetuba.

Estarão representadas muitas correntes da variadíssima expressão musical do estado do Pará - estado que conta com mais de 40 diferentes ritmos populares tradicionais! – do carimbó ao tecno-brega, do boi-bumbá ao choro, passando pela música tão popular quanto refinadíssima de mestre Nilson Chaves, em minha opinião um dos nomes mais importantes da música brasileira. E olha que ainda vão faltar a voz poderosíssima de Vital Lima, os sambas do David Miguel e do Alfredo Oliveira; vão faltar o Pedrinho Cavallero, o Marco André, o Alcyr Guimarães e o pop do Marco Montheiro; o Paulo André, o Joãozinho Gomes e o Walter Freitas; as vozes de Andréia Pinheiro, Lia Sophia, Albinha, Simone Almeida, Dayse Addário, Jacely Duarte, e Rutinha Neves; os violões do Nego Nelson, do Sebastião Tapajós, do Salomão Habib, do Paulinho Moura; o choro da rapaziada do Bar do Gilson, a flauta do meu amigo Yuri Guedelha. O meu amigo Mapiu, um dos grandes Percussionistas (com "P" maiúsculo" mesmo) que conheci na vida, pode ser que esteja. Mas vão faltar o Gileno Foinquinos, o Adelbert Carneiro e o Floriano; o Olivar Barreto, o Pedrinho Callado, o Eduardo Dias. Vão faltar as canções tão fortes, tão mocorongas da Maria Lídia, os vozeirões do Walter Bandeira e do Alfredo Reis, além do roque do Mosaico de Ravena. Faltarão Mestre Verequete e Mestre Cupijó. É bem posível que estejam lá o Chico Senna, o Edyr Proença e Mestre Lucindo, mas aí a gente não vai conseguir ver, nem firmando muito bem a vista (talvez se distraindo dela...).

Mas de qualquer modo, meus caros, podem apostar: eu vou estar lá! Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!

Terruá Pará - dias 17, 18 e 19 de março, a partir de 20h30, no auditório do Parque Ibirapuera. Ingressos: R$ 30,00

quarta-feira, 15 de março de 2006

Já havia esquecido...

"Filosofia é a vida voluntária em gelo e altas montanhas..." (Nietzsche)

terça-feira, 14 de março de 2006

Dia Nacional da Poesia


Os poemas

Mário Quintana

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

quinta-feira, 2 de março de 2006

Túmulo do Brasil

Havia dezoito longos anos que não sabia de corpo presente o que era a cidade de São Paulo durante o carnaval. Não digo o carnaval em São Paulo, algo que, se existe na atualidade, nunca ninguém viu, assim como a quadratura do círculo, enterro de anão, cabeça de bacalhau e chester vivo, ciscando por aí.

É bom dizer que o impacto foi naturalmente maior depois de ter estado no Bola Preta no sábado. E não digo nem o Bola Preta, que acima de tudo, como ser carioca, é um estado de espírito, sobre o qual não me animo a discorrer agora com medo de agravar minha depressão pós-momesca. Falo do povo tomando o centro da Cidade que lhe pertence, horas e horas após o desfile, quando ainda não se podia andar duzentos metros em menos de quinze minutos. Falo do Cordão do Boitatá - a quem tanto já critiquei, mas não posso deixar de render homenagem - do Flor do Sereno, do Céu na Terra, das bandas, do Terreirão (mas principalmente do "terreirinho"), dos bate-bolas de Marechal, das escolas de samba da Sapucaí e as de Bonsucesso, do Cacique, do Bafo, do Clube do Samba, da Lapa, dos bailes populares, da Vila Isabel desfilando no Boulevard (não sei se houve este ano), do baile na sede do Bola Preta. Dos mais de quatrocentos blocos cadastrados pela prefeitura do antigo Distrito Federal.

Senhores, a cidade de São Paulo no carnaval é deprimente. O vazio das ruas é deprimente, assim como o é a satisfação dos que curtem a "tranqüilidade" da cidade, a fluidez do trânsito. São deprimentes os cinemas abarrotados tanto quanto o enfado dos burocratas de plantão, doidinhos pra vida voltar ao "normal" - o seu "normal" deprimente de resolver coisas e encaminhar expedientes e fechar negócios. É deprimente - não, não: é EXTREMAMENTE deprimente - um arremedo de matinê de clube, com fanques e axés insuportáveis, como é deprimente a apuração das escolas de samba, com os bate-bocas, ameaças e quebra-quebras tão repetitivos quanto mal ensaiados. É deprimente ver como o povo ainda gosta do carnaval, sim - eu disse O POVO - mas não tem a força pra fazê-lo por si só, dependente das migalhas que uns poucos e bravos resistentes teimam em oferecer (parabéns ao SESC!) e completamente à mercê dos que o privatizaram, dos que o confiscaram de seu legítimo detentor, para impor suas pseudo-fórmulas burras, artificiais, vendidas, que a nada se prestam.

O povo que lota os Sesc's e ainda deposita desejos numa fórmula tão desgastada como a das escolas de samba, artificialmente transformadas em algo a que não nasceram vocacionados os velhos e saudosos cordões. Palco de disputas que não poderiam ser mais dissociadas do espírito do carnaval - verbi gratia, as desavenças pseudo-futebolísticas (e perdoem se me repito) - , as atuais escolas de samba herdaram a forceps o formato das agremiações cariocas, com todos os vícios que a modernidade lhes impôs e sem um mínimo da pujança resistente dos primórdios, da identificação popular histórica, e até mesmo da organização que hoje se faz presente, com todas as magnânimas críticas que se lhe posssa tecer.

Ora direis haver os bailes do Ó do Borogodó. Mas aí não é São Paulo! É a negação de tudo o que acima se disse, assim como São Paulo é a negação desse Brasil que teima em se amar, singular, mestiço e tropical, sim senhor. E nesta negação da negação, dialética perfeita, é que se há de ressuscitar o Brasil a partir do que aqui jaz, sufocado pelas ervas daninhas, tão ferozes quanto mal-ajambradas, muito bem plantadas nesta triste sede do capitalismo tupiniquim.